19 janeiro 2012






O descascador de canela




Se eu fosse um descascador de canela
deitar-me-ia na tua cama
e deixaria o pó amarelo da casca
na tua almofada.

Os teus seios e os teus ombros cheirariam a canela
nunca mais poderias passar no mercado
sem a profissão dos meus dedos
flutuando por cima de ti. O cego tropeçaria
certo de quem se aproximava
mesmo que tomasses banho
na chuva das calhas, na monção.

Aqui no cimo da coxa
neste macio pasto
vizinho do teu cabelo
ou do sulco
que te divide as costas. Este tornozelo.
Serás conhecida entre os estranhos
como a mulher do descascador de canela.

Só a custo te podia ver
antes do casamento
nunca te toquei
- a tua mãe nariguda, os teus irmãos tão brutos.
Enterrei as minhas mãos
em açafrão, disfarcei-as com
alcatrão de tabaco
ajudei os apicultores a colher o mel…

Uma vez que estávamos a nadar
toquei-te na água
e os nossos corpos permaneceram livres,
podias segurar-me e ser cega de cheiro
Saltaste a margem e disseste

isto é como tu tocas as outras mulheres
a mulher do cortador de relva,
a filha do queimador de limão
E procuraste nas tuas mãos
o perfume desaparecido

e soubeste

como é bom
ser a filha do queimador de lima
deixada sem marca
como se lhe tivessem falado no acto do amor
como se ferida sem o prazer de uma cicatriz.

Roçaste o teu ventre nas minhas mãos
no ar seco e disseste
sou a mulher do descascador
de canela.
Cheira-me.




Michael Ondaatje





Sem comentários:

Enviar um comentário

cartografe aqui: