novas cartas de marear
08 julho 2025
30 junho 2025
water, water
billy collins
ed. picador
lê-se a mais recente recolha de poemas de collins e fica-se com a sensação de que ele atingiu uma espécie de olimpo, em que tudo o que escreve parece luminoso para sempre. não é para todos.
changing my mind
julian barnes
ed. notting hill
pequeno e luminoso ensaio sobre o que é isso de mudar de ideias, em capítulos dedicados a essa mudança em temas como a memória e os livros, as palavras e a idade. e barnes é sempre barnes. (lido no original por a edição nacional estar em acordês, novilíngua que não domino)
os elefantes são contagiosos
josé maría zonta
ed. língua morta
bela recolha de poemas de uma das vozes incontornáveis da poesia actual.
the militant muse
whitney chadwick
ed. thames & hudson
entre aventuras e desventuras amorosas surge a questão: será a musa militante surrealista? (boa pergunta). não sei, mas nos belíssimos capítulos dedicados às duas leonores (leonora carrington e leonor fini), a frida kahlo e jacqueline lamba e a lee miller e valentine penrose, quase ficamos com a certeza de que sim...
se eu quisesse, enlouquecia
joão pedro george
ed. contraponto
como todas as boas biografias de artistas, esta também remete para a velha e eterna dicotomia entre o autor e o homem, aquele quase sempre genial e transcendente, este banal e por vezes desprezável. gostei sobretudo dos relatos da passagem por angola e do que eram as tertúlias literárias nos cafés lisboetas. e depois, claro, as intermináveis invejas e guerrilhas entre capelinhas, a tacanhez do meio editorial lusitano e o retrato cru das intermináveis questões pessoais e familiares. no fim, salva(ra)m-se os poemas...
modern poetry
diane seuss
ed. fitzcarraldo
outra poeta a caminho do olimpo. este livro (dedicado às possíveis respostas a uma pergunta: poesia moderna, o que é isso?) é uma delícia. e merecia uma tradução em português são e escorreito.
30 maio 2025
le murmure
christian bobin
ed. folio
com pouco mais de cem páginas que se devoram num ápice, este é um pequeno-enorme livro. escrito em grande parte no leito do hospital onde veio a falecer, aqui fica o conjunto de pensamentos finais de um dos maiores poetas em prosa de sempre, a que cheguei tarde (mas ainda a tempo).
the world according to colour
james fox
ed. penguin
belíssimo ensaio sobre o papel das cores na arte, na ciência, na filosofia, na cultura e na vida quotidiana da espécie humana ao longo dos tempos. o capítulo sobre o negro (a cor que não é cor) é uma pequena obra-prima.
proust - le dossier
jean-yves tadié
ed. folio
inspirado pela leitura recente do “dicionário de proust” fui reler partes (as publicadas por críticos e por escritores a propósito da “recherche”) deste curioso dossier sobre proust, assinado por um dos seus grandes biógrafos. à semelhança do pessoano, este é um labirinto onde gostamos de nos perder.
o livro de énio
carlos poças falcão
ed. officium lectionis
longo poema, quase místico, quase um cântico dos cânticos para o século xxi, em 888 oitavas (o número que resulta do somatório do valor das letras do nome de jesus escrito em grego), por vezes difícil de decifrar e onde se inscreve uma releitura dos evangelhos através das vivências, reais e esotéricas, de um grupo de amigos. toda uma experiência de leitura.
under the eye of the big bird
hiromi kawakami
ed. grante
novela distópica, que resulta de contos interligados, passada num futuro talvez não tão improvável quanto parece. a humanidade enfrenta o perigo de extinção, não pela ecologia ou catástrofes, mas por algo bem mais simples e terrível: pela evolução natural já quase não nascem fêmeas. assim, somos todos réplicas genéticas cultivadas, sempre com algum defeito...
ao largo da vida
rainer maria rilke
ed. ítaca
conjunto de contos curtos, escritos por um jovem rilke. alguns deles (“festa em família”, “o menino jesus”, “todas numa só”) são pequenas obras-primas.
on the calculation of volume I
solvej balle
ed. faber & faber
ao princípio parece uma ideia importada de “groundhog day”, o filme em que bill murray acorda de manhã sempre no mesmo dia. aqui, porém, a protagonista (embora presa indefinidamente no mesmo dia dezoito de novembro) revive o dia de um modo contemplativo e filosófico, quase estóico, não se rendendo à armadilha do tempo.
14 maio 2025
Não entres como turista no coração de uma mulher
a tirar fotos
deixando latas de cerveja
procurando só catedrais imensas
e estátuas transparentes
com a mochila cheia de mapas
e a fazer refeições rápidas
há um país
sete cidades
uma cordilheira e um inverno
no coração de uma mulher
não bebas só um copo de mar ali
não entres no avião
apanha o comboio da meia lua
não reveles ali as tuas fotografias numa hora
se não fizer demasiado frio
entra nu
não leves guarda-chuva
e sobretudo não cortes árvores
no coração de uma mulher
não costumam voltar a crescer.
José María Zonta
30 abril 2025
a cadeira de mogno
maria f. roldão
ed. de autor
um dos problemas (frequentemente irresolúveis) com que se debate a poesia de carácter mais íntimo é conseguir ultrapassar a dificuldade em não cair no eroticamente óbvio, expectável e gratuito. estes poemas fazem-no com elegância e maestria. não é para todos.
os naufragistas
robert louis stevenson + lloyd osbourne
ed. tinta da china
não sei se será mesmo o melhor livro de stevenson, como dizia borges, mas seguramente anda lá perto. grande narrativa, que nos prende desde a primeira página.
frank : sonnets
diane seuss
ed. fitzcarraldo
é quase uma autobiografia, ilustrada por momentos, memórias e sentimentos em mais de uma centena de sonetos (que de soneto só têm o facto de conterem catorze versos). a autora nunca se perde aquele seu brilho confessional, cru e honesto - e este livro, belo, ganhou merecidamente um pulitzer.
no country for old men
cormac mccarthy
ed. picador
tem sido assim nos últimos tempos: vejo ou revejo o filme e, claro, dou por mim a reler passagens do livro.
the collected stories of… (volume four)
philip k. dick
ed. gollancz
volume final desta recolha dos contos de dick, onde se destacam “the electric ant”, “oh, to be a blobel!”, e ainda o célebre “we can remember it for you wholesale”, adaptado ao cinema como “total recall”. foi uma viagem fascinante pelo reino da ficção científica, um universo a tentar explorar no futuro (salvo seja!)...
dicionário de proust
joão pedro vala
ed. quetzal
o começo de um livro é precioso. este, seguramente um dos melhores do ano, abre com uma magnífica frase, resplandecente e redentora: por decisão do autor, esta obra segue a grafia anterior ao acordo ortográfico de 1990. e depois, ao longo de 23 apaixonantes entradas (uma por cada letra do alfabeto), desenrola-se perante o nosso olhar um magnífico ensaio sobre a vida e obra de marcel proust, com natural ênfase na “recherche”, algo que nos faltava e não sabíamos.
08 abril 2025
31 março 2025
súmula poética
antónio barahona da fonseca
ed. averno
um resumo da (mais recente) matéria dada por um dos nossos poetas mais singulares.
les choses
georges perec
ed. juilliard
foi editada recentemente uma tradução portuguesa, mas quis reler o original destas “coisas”. novela-maravilha, sem enredo, sem moral, sem diálogos, quase até sem personagens (jérôme e sylvie não têm qualquer espessura), em que os objectos (e a sua posse, claro!) desempenham um papel central. sub-titulado como “uma história dos anos sessenta”, não é uma crítica à falsa felicidade do consumismo, está na verdade muito para além disso. perec disse um dia: “acho que há uma ligação entre as coisas do mundo moderno e um tipo de felicidade, mas os que pensam que estava a condenar a sociedade de consumo não perceberam nada do meu livro”.
lembro-me
joe brainard + georges perec
ed. cutelo
logo após “les choses”, mergulhei no “je me souviens”, uma espécie de autobiografia fragmentária e confessional (inspirada no “i remember” de brainard, que aproveitei para reler) - estando as duas obras aqui emparelhadas em mais uma bela edição da cutelo.
decidi falar de pássaros
vv. aa.
ed. língua morta
compilados por joão vasco rodrigues (que interpõe textos seus subordinados ao mesmo tema), aqui estão reunidos muitos poemas em que aves e pássaros são protagonistas. podia ser uma recolha leve e etérea, mas resulta ser muito mais do que isso.
museu do romance da eterna
macedonio fernández
ed. antítese
este romance seminal da literatura argentina foi escrito no princípio do século xx, mas só viu uma primeira edição póstuma em 1967, quinze anos após a morte do autor. é impossível não o ver como antecedente da “rayuela” de cortázar, por exemplo. a história desenrola-se a partir de uma série (quase interminável) de prólogos, que precedem e anunciam uma história que nunca mais chega, porque macedonio percebera que o romance moderno se faz de desvios, possibilidades, digressões (ah, o borgesiano jardim dos caminhos que se bifurcam...). depois, temos a história de um homem viúvo que vai instalar-se numa estância campestre chamada “o romance” e...
ao puxar a culatra do longo silêncio
antónio amaral tavares
ed. do lado esquerdo
belíssima surpresa, a de um livro de um poeta amadurecido pela voz que emana da ausência de ruídos, do silêncio marinho que vem escrito no coração dos peixes, do silêncio de argila dos mortos. o poeta diz-nos que o silêncio não é fácil de encontrar, que o silêncio de deus é famoso, e letal o silêncio das serpentes, que pode ser ensurdecedor o silêncio das pedras e cheios de barulho os bolsos do silêncio. o poeta sabe que todo o poema é imperfeito (a morte nele convive com as palavras) e que não há vida para lá do poema, mas intui que é o medo do silêncio que conduz às margens da beleza. porque vale a pena puxar a culatra: o silêncio - mais que a cantiga - é uma arma.
tokyo express
seicho matsumoto
ed. penguin
um clássico (japonês) da literatura policial.