novas cartas de marear
07 outubro 2025
30 setembro 2025
knockemstiff
donald ray pollock
ed. cutelo
estas histórias, retrato pessoal de uma vilória anónima de um ohio profundo, trazem muito à memória os contos de larry brown e de scott mcclanahan - e apenas isto seria suficiente. pollock escreve sobre as fragilidades humanas, de pessoas desorientadas e incapazes de resistir aos impulsos mais destrutivos: sexo, drogas (algum rock&roll) e sobretudo violência. e que, em apuros, optam sempre por tornar tudo ainda pior.
lemon
kwon yeo-sun
ed. head of zeus
uma espécie de policial, de narrativa cativante e original. no verão de 2002, quando a coreia do sul recebe o campeonato do mundo de futebol, a rapariga mais bonita do liceu aparece morta. há dois suspeitos, mas os alibis ilibam-nos. anos depois - e contadas em diversos pontos no tempo - o decifrar psicológico das perspectivas da sua irmã e de alguns colegas de escola podem ajudar a resolver aquele crime sem solução.
frankenstein
mary shelley
ed. anaconda
releitura de um clássico com novas roupagens...
zov
rui manuel amaral
ed. snob
dizia aquele bardo de stratford que o mundo é um palco. e parece-me que o autor achou que, neste livro, o palco era um mundo, cheio de vozes, a da zov e todas as outras, que são tantas como os heterónimos daquele outro bardo de lisboa. a forma estrutural é a de uma peça de teatro (não faltam didascálias e àpartes) mas, em bom rigor, o conteúdo é o de uma novela à procura de uma estrutura. e, sem dizer mais, assim fragmentada tem mais encanto, cativa o leitor, faz sorrir e diverte - algo de que a literatura moderna por vezes se esquece.
mina’s matchbox
yoko ogawa
ed. vintage
anos setenta numa cidade costeira do japão. tomoko, uma rapariga de doze anos, vai passar uma temporada a casa dos tios, que são muito ricos e têm uma filha quase da mesma idade. a prima, mina, é asmática e frágil, vive na mansão familiar, rodeada por um parque natural que inclui um pequeno zoo, onde pontifica um hipopótamo-pigmeu. as suas paixões são a literatura e as caixas de fósforos, onde escreve histórias-miniatura... como resistir ao sempre mágico universo imaginado por yoko ogawa?
table for two
amor towles
ed. hutchinson-heinemann
bela recolha de histórias curtas de towles, revelando a sua criatividade e o seu estilo elegante e inconfundível. dois deles (“the ballad of thimothy touchett” e, sobretudo, “the line”) mereciam estar em qualquer colectânea dos melhores contos da literatura americana.
31 agosto 2025
vivian maier
photofile
ed. thames&hudson
mais um excelente livrinho da série “photofile”, contendo 74 fotografias, uma biografia resumida e um dos melhores textos que já li sobre a fotógrafa, assinado por anne morin. muito recomendável.
the collected stories
mavis gallant
ed. everyman’s library
era uma lacuna nas estantes caseiras, esta recolha de uma magnífica contista.
dark tales
shirley jackson
ed. penguin
pensava eu que após ler “the lottery” não havia hipótese de, num curto conto, retratar melhor o que é a endémica essência do mal na espécie humana. enganei-me: em “what a thought” e “the possibility of evil“, dois dos contos desta colectânea, shirley jackson demonstra-o com a sua habitual genialidade.
the egyptian myths
garry shaw
ed. thames & hudson
egiptólogos de sofá (como eu): este é um must absoluto!
vanishing world
sayaka murata
ed. granta
novela distópica de uma das mais bizarras e sempre surpreendentes vozes da moderna literatura nipónica. nesse japão alternativo a reprodução é assexuada, feita por inseminação. não há relações sexuais com cônjuges (o sexo é considerado incesto), os homens já podem engravidar graças a úteros artificiais e as crianças, claro, deixaram de ser criadas e educadas pelos pais... estará assim tão longe?
30 julho 2025
poesia reunida
joão luís barreto guimarães
ed. quetzal
recolha fundamental para uma das vozes mais singulares da poesia actual (...e sim, pode julgar-se um livro pela capa!)
never let me go
kazuo ishiguro
ed. faber&faber
tem sido assim nos últimos tempos: vejo ou revejo o filme e, claro, dou por mim a reler passagens do livro.
on the calculation of volume II
solvej balle
ed. faber & faber
no segundo volume desta saga sobre o espaço e o decurso dos dias a protagonista continua presa indefinidamente no mesmo dia dezoito de novembro, mas tenta agora que pelo menos o espaço circundante se modifique. e assim dispõe-se a viajar, procurando locais onde esse mesmo dia - por alteração do clima - possa invocar uma estação diferente. uma bela reflexão sobre a dimensão do tempo.
venice : city of pictures
martin gayford
ed. thames&hudson
biografia-maravilha sobre uma cidade, com base nos seus quadros. não apenas com base nos artistas que ali nasceram e viveram, mas também em todos os que a visitaram e pintaram. no fim resulta uma espécie de história de arte circunscrita mas em que os detalhes e anedotas são universais. e - cereja no topo do bolo - muito bem escrita, informativa, formativa e divertida.
a estrada para oxiana
robert byron
ed. tinta-da-china
um clássico da literatura de viagens sobre uma expedição turística, e não só, até ao médio oriente. curioso como, noventa anos depois, algumas constatações socio-culturais sobre a palestina, o iraque, a pérsia e o afeganistão permanecem actuais.
iii
sérgio brota
ed. de autor
quase nos antípodas (não necessariamente geográficos) de “a estrada para oxiana”, ou talvez nem tanto assim, este é o conjunto de relatos de um viajante que caminha sobre solas de vento onde, em três viagens, acaba por importar mais o que se sente quando se observa do que aquilo que se vê quando se visita.
30 junho 2025
water, water
billy collins
ed. picador
lê-se a mais recente recolha de poemas de collins e fica-se com a sensação de que ele atingiu uma espécie de olimpo, em que tudo o que escreve parece luminoso para sempre. não é para todos.
changing my mind
julian barnes
ed. notting hill
pequeno e luminoso ensaio sobre o que é isso de mudar de ideias, em capítulos dedicados a essa mudança em temas como a memória e os livros, as palavras e a idade. e barnes é sempre barnes. (lido no original por a edição nacional estar em acordês, novilíngua que não domino)
os elefantes são contagiosos
josé maría zonta
ed. língua morta
bela recolha de poemas de uma das vozes incontornáveis da poesia actual.
the militant muse
whitney chadwick
ed. thames & hudson
entre aventuras e desventuras amorosas surge a questão: será a musa militante surrealista? (boa pergunta). não sei, mas nos belíssimos capítulos dedicados às duas leonores (leonora carrington e leonor fini), a frida kahlo e jacqueline lamba e a lee miller e valentine penrose, quase ficamos com a certeza de que sim...
se eu quisesse, enlouquecia
joão pedro george
ed. contraponto
como todas as boas biografias de artistas, esta também remete para a velha e eterna dicotomia entre o autor e o homem, aquele quase sempre genial e transcendente, este banal e por vezes desprezável. gostei sobretudo dos relatos da passagem por angola e do que eram as tertúlias literárias nos cafés lisboetas. e depois, claro, as intermináveis invejas e guerrilhas entre capelinhas, a tacanhez do meio editorial lusitano e o retrato cru das intermináveis questões pessoais e familiares. no fim, salva(ra)m-se os poemas...
modern poetry
diane seuss
ed. fitzcarraldo
outra poeta a caminho do olimpo. este livro (dedicado às possíveis respostas a uma pergunta: poesia moderna, o que é isso?) é uma delícia. e merecia uma tradução em português são e escorreito.
30 maio 2025
le murmure
christian bobin
ed. folio
com pouco mais de cem páginas que se devoram num ápice, este é um pequeno-enorme livro. escrito em grande parte no leito do hospital onde veio a falecer, aqui fica o conjunto de pensamentos finais de um dos maiores poetas em prosa de sempre, a que cheguei tarde (mas ainda a tempo).
the world according to colour
james fox
ed. penguin
belíssimo ensaio sobre o papel das cores na arte, na ciência, na filosofia, na cultura e na vida quotidiana da espécie humana ao longo dos tempos. o capítulo sobre o negro (a cor que não é cor) é uma pequena obra-prima.
proust - le dossier
jean-yves tadié
ed. folio
inspirado pela leitura recente do “dicionário de proust” fui reler partes (as publicadas por críticos e por escritores a propósito da “recherche”) deste curioso dossier sobre proust, assinado por um dos seus grandes biógrafos. à semelhança do pessoano, este é um labirinto onde gostamos de nos perder.
o livro de énio
carlos poças falcão
ed. officium lectionis
longo poema, quase místico, quase um cântico dos cânticos para o século xxi, em 888 oitavas (o número que resulta do somatório do valor das letras do nome de jesus escrito em grego), por vezes difícil de decifrar e onde se inscreve uma releitura dos evangelhos através das vivências, reais e esotéricas, de um grupo de amigos. toda uma experiência de leitura.
under the eye of the big bird
hiromi kawakami
ed. grante
novela distópica, que resulta de contos interligados, passada num futuro talvez não tão improvável quanto parece. a humanidade enfrenta o perigo de extinção, não pela ecologia ou catástrofes, mas por algo bem mais simples e terrível: pela evolução natural já quase não nascem fêmeas. assim, somos todos réplicas genéticas cultivadas, sempre com algum defeito...
ao largo da vida
rainer maria rilke
ed. ítaca
conjunto de contos curtos, escritos por um jovem rilke. alguns deles (“festa em família”, “o menino jesus”, “todas numa só”) são pequenas obras-primas.
on the calculation of volume I
solvej balle
ed. faber & faber
ao princípio parece uma ideia importada de “groundhog day”, o filme em que bill murray acorda de manhã sempre no mesmo dia. aqui, porém, a protagonista (embora presa indefinidamente no mesmo dia dezoito de novembro) revive o dia de um modo contemplativo e filosófico, quase estóico, não se rendendo à armadilha do tempo.