30 setembro 2025

 





leituras  de  setembro


















:: notas :: 

 

 

knockemstiff 

donald ray pollock

ed. cutelo

 

estas histórias, retrato pessoal de uma vilória anónima de um ohio profundo, trazem muito à memória os contos de larry brown e de scott mcclanahan - e apenas isto seria suficiente. pollock escreve sobre as fragilidades humanas, de pessoas desorientadas e incapazes de resistir aos impulsos mais destrutivos: sexo, drogas (algum rock&roll) e sobretudo violência. e que, em apuros, optam sempre por tornar tudo ainda pior.

 


lemon

kwon yeo-sun

ed. head of zeus

 

uma espécie de policial, de narrativa cativante e original. no verão de 2002, quando a coreia do sul recebe o campeonato do mundo de futebol, a rapariga mais bonita do liceu aparece morta. há dois suspeitos, mas os alibis ilibam-nos. anos depois - e contadas em diversos pontos no tempo - o decifrar psicológico das perspectivas da sua irmã e de alguns colegas de escola podem ajudar a resolver aquele crime sem solução.

 


frankenstein

mary shelley

ed. anaconda

 

releitura de um clássico com novas roupagens...

 


zov

rui manuel amaral

ed. snob

 

dizia aquele bardo de stratford que o mundo é um palco. e parece-me que o autor achou que, neste livro, o palco era um mundo, cheio de vozes, a da zov e todas as outras, que são tantas como os heterónimos daquele outro bardo de lisboa. a forma estrutural é a de uma peça de teatro (não faltam didascálias e àpartes) mas, em bom rigor, o conteúdo é o de uma novela à procura de uma estrutura. e, sem dizer mais, assim fragmentada tem mais encanto, cativa o leitor, faz sorrir e diverte - algo de que a literatura moderna por vezes se esquece. 

 


mina’s matchbox

yoko ogawa

ed. vintage

 

anos setenta numa cidade costeira do japão. tomoko, uma rapariga de doze anos, vai passar uma temporada a casa dos tios, que são muito ricos e têm uma filha quase da mesma idade. a prima, mina, é asmática e frágil, vive na mansão familiar, rodeada por um parque natural que inclui um pequeno zoo, onde pontifica um hipopótamo-pigmeu. as suas paixões são a literatura e as caixas de fósforos, onde escreve histórias-miniatura... como resistir ao sempre mágico universo imaginado por yoko ogawa?

 

 

table for two

amor towles

ed. hutchinson-heinemann

 

bela recolha de histórias curtas de towles, revelando a sua criatividade e o seu estilo elegante e inconfundível. dois deles (“the ballad of thimothy touchett” e, sobretudo, “the line”) mereciam estar em qualquer colectânea dos melhores contos da literatura americana.

 





31 agosto 2025






leituras  de  agosto




















:: notas :: 

 


vivian maier

photofile

ed. thames&hudson

 

mais um excelente livrinho da série “photofile”, contendo 74 fotografias, uma biografia resumida e um dos melhores textos que já li sobre a fotógrafa, assinado por anne morin. muito recomendável.

 


the collected stories

mavis gallant

ed. everyman’s library

 

era uma lacuna nas estantes caseiras, esta recolha de uma magnífica contista.

 


dark tales

shirley jackson

ed. penguin

 

pensava eu que após ler “the lottery” não havia hipótese de, num curto conto, retratar melhor o que é a endémica essência do mal na espécie humana. enganei-me: em “what a thought” e “the possibility of evil“, dois dos contos desta colectânea, shirley jackson demonstra-o com a sua habitual genialidade.

 


the egyptian myths

garry shaw

ed. thames & hudson

 

egiptólogos de sofá (como eu): este é um must absoluto!

 


vanishing world

sayaka murata

ed. granta

 

novela distópica de uma das mais bizarras e sempre surpreendentes vozes da moderna literatura nipónica. nesse japão alternativo a reprodução é assexuada, feita por inseminação. não há relações sexuais com cônjuges (o sexo é considerado incesto), os homens já podem engravidar graças a úteros artificiais e as crianças, claro, deixaram de ser criadas e educadas pelos pais... estará assim tão longe?

 








30 julho 2025

 






leituras  de  julho




 


 















:: notas :: 


 

poesia reunida

joão luís barreto guimarães

ed. quetzal

 

recolha fundamental para uma das vozes mais singulares da poesia actual (...e sim, pode julgar-se um livro pela capa!)


 

never let me go

kazuo ishiguro

ed. faber&faber

 

tem sido assim nos últimos tempos: vejo ou revejo o filme e, claro, dou por mim a reler passagens do livro.


 

on the calculation of volume II

solvej balle

ed. faber & faber

 

no segundo volume desta saga sobre o espaço e o decurso dos dias a protagonista continua presa indefinidamente no mesmo dia dezoito de novembro, mas tenta agora que pelo menos o espaço circundante se modifique. e assim dispõe-se a viajar, procurando locais onde esse mesmo dia - por alteração do clima - possa invocar uma estação diferente. uma bela reflexão sobre a dimensão do tempo.



venice : city of pictures

martin gayford

ed. thames&hudson

 

biografia-maravilha sobre uma cidade, com base nos seus quadros. não apenas com base nos artistas que ali nasceram e viveram, mas também em todos os que a visitaram e pintaram. no fim resulta uma espécie de história de arte circunscrita mas em que os detalhes e anedotas são universais. e - cereja no topo do bolo - muito bem escrita, informativa, formativa e divertida.


 

a estrada para oxiana

robert byron

ed. tinta-da-china

 

um clássico da literatura de viagens sobre uma expedição turística, e não só, até ao médio oriente. curioso como, noventa anos depois, algumas constatações socio-culturais sobre a palestina, o iraque, a pérsia e o afeganistão permanecem actuais.

 


iii

sérgio brota

ed. de autor

 

quase nos antípodas (não necessariamente geográficos) de “a estrada para oxiana”, ou talvez nem tanto assim, este é o conjunto de relatos de um viajante que caminha sobre solas de vento onde, em três viagens, acaba por importar mais o que se sente quando se observa do que aquilo que se vê quando se visita.

 






30 junho 2025

 





leituras  de  junho





















:: notas :: 


 

water, water

billy collins

ed. picador

 

lê-se a mais recente recolha de poemas de collins e fica-se com a sensação de que ele atingiu uma espécie de olimpo, em que tudo o que escreve parece luminoso para sempre. não é para todos.

 


changing my mind 

julian barnes

ed. notting hill

 

pequeno e luminoso ensaio sobre o que é isso de mudar de ideias, em capítulos dedicados a essa mudança em temas como a memória e os livros, as palavras e a idade. e barnes é sempre barnes. (lido no original por a edição nacional estar em acordês, novilíngua que não domino)

 


os elefantes são contagiosos

josé maría zonta

ed. língua morta

 

bela recolha de poemas de uma das vozes incontornáveis da poesia actual.

 


the militant muse

whitney chadwick

ed. thames & hudson

 

entre aventuras e desventuras amorosas surge a questão: será a musa militante surrealista? (boa pergunta). não sei, mas nos belíssimos capítulos dedicados às duas leonores (leonora carrington e leonor fini), a frida kahlo e jacqueline lamba e a lee miller e valentine penrose, quase ficamos com a certeza de que sim...

 


se eu quisesse, enlouquecia

joão pedro george

ed. contraponto

 

como todas as boas biografias de artistas, esta também remete para a velha e eterna dicotomia entre o autor e o homem, aquele quase sempre genial e transcendente, este banal e por vezes desprezável. gostei sobretudo dos relatos da passagem por angola e do que eram as tertúlias literárias nos cafés lisboetas. e depois, claro, as intermináveis invejas e guerrilhas entre capelinhas, a tacanhez do meio editorial lusitano e o retrato cru das intermináveis questões pessoais e familiares. no fim, salva(ra)m-se os poemas...

 


modern poetry

diane seuss

ed. fitzcarraldo

 

outra poeta a caminho do olimpo. este livro (dedicado às possíveis respostas a uma pergunta: poesia moderna, o que é isso?) é uma delícia. e merecia uma tradução em português são e escorreito.

 







30 maio 2025

 





leituras  de  maio


























:: notas :: 



le murmure

christian bobin

ed. folio

 

com pouco mais de cem páginas que se devoram num ápice, este é um pequeno-enorme livro. escrito em grande parte no leito do hospital onde veio a falecer, aqui fica o conjunto de pensamentos finais de um dos maiores poetas em prosa de sempre, a que cheguei tarde (mas ainda a tempo).


 

the world according to colour 

james fox

ed. penguin

 

belíssimo ensaio sobre o papel das cores na arte, na ciência, na filosofia, na cultura e na vida quotidiana da espécie humana ao longo dos tempos. o capítulo sobre o negro (a cor que não é cor) é uma pequena obra-prima.


 

proust - le dossier

jean-yves tadié

ed. folio

 

inspirado pela leitura recente do “dicionário de proust” fui reler partes (as publicadas por críticos e por escritores a propósito da “recherche”) deste curioso dossier sobre proust, assinado por um dos seus grandes biógrafos. à semelhança do pessoano, este é um labirinto onde gostamos de nos perder.

 

 

o livro de énio

carlos poças falcão

ed. officium lectionis

 

longo poema, quase místico, quase um cântico dos cânticos para o século xxi, em 888 oitavas (o número que resulta do somatório do valor das letras do nome de jesus escrito em grego), por vezes difícil de decifrar e onde se inscreve uma releitura dos evangelhos através das vivências, reais e esotéricas, de um grupo de amigos. toda uma experiência de leitura.


 

under the eye of the big bird 

hiromi kawakami

ed. grante

 

novela distópica, que resulta de contos interligados, passada num futuro talvez não tão improvável quanto parece. a humanidade enfrenta o perigo de extinção, não pela ecologia ou catástrofes, mas por algo bem mais simples e terrível: pela evolução natural já quase não nascem fêmeas. assim, somos todos réplicas genéticas cultivadas, sempre com algum defeito...


 

ao largo da vida 

rainer maria rilke

ed. ítaca

 

conjunto de contos curtos, escritos por um jovem rilke. alguns deles (“festa em família”, “o menino jesus”, “todas numa só”) são pequenas obras-primas. 

 


on the calculation of volume I

solvej balle

ed. faber & faber

 

ao princípio parece uma ideia importada de “groundhog day”, o filme em que bill murray acorda de manhã sempre no mesmo dia. aqui, porém, a protagonista (embora presa indefinidamente no mesmo dia dezoito de novembro) revive o dia de um modo contemplativo e filosófico, quase estóico, não se rendendo à armadilha do tempo.