11 janeiro 2025

 


 

Estes poemas, disse ela

 

 

 

Estes poemas, estes poemas,

estes poemas, disse ela, são poemas
sem amor neles. Estes são os poemas de um homem

que abandonaria mulher e filho porque

faziam barulho no escritório. Estes são os poemas

de um homem que assassinaria a sua mãe para reclamar

a herança. Estes são os poemas de um homem

como Platão, disse ela, significando algo que eu não

compreendi mas que mesmo assim

me ofendeu. Estes são os poemas de um homem

que preferiria dormir consigo do que com mulheres,

disse ela. Estes são os poemas de um homem

com olhos como canivetes, mãos como as mãos de um

carteirista, poemas tecidos de água e lógica

e fome, sem nenhum fio de amor neles. Estes poemas

são tão cruéis quanto o canto dos pássaros, tão sem sentido

quanto folhas de olmo, os quais, se amarem, amam apenas

o amplo céu azul e o ar e a ideia

das folhas de olmo. O amor próprio é um fim, disse ela,

e não um princípio. Amar significa o amor

da coisa cantada, não da canção ou do canto.

Estes poemas, disse ela... Tu és, disse ele,

bela. Isso não é amor, disse ela com razão.

 

 

 



Robert Bringhurst

 






31 dezembro 2024


 
 


leituras  de  dezembro





















:: notas :: 


 

mortes fabulosas dos antigos

dino baldi

ed. cavalo de ferro

 

colectânea - vertida para português são e escorreito! (parabéns à editora) - de relatos de muitas mortes de inúmeras personagens, reais e mitológicas, povos, exércitos, cidades e outras entidades do mundo antigo, de um tempo em que a morte não era apenas o fim da vida e sim uma parte viva da vida. muitíssimo interessante.

 


revenge

yoko ogawa

ed. vintage

 

recolha de contos, alguns interligados (e quase todos muito bem conseguidos), que são uma boa introdução ao universo mágico e trágico de ogawa.

 


orbital

samantha harvey

ed. vintage

 

6 astronautas em missões científicas vivem confinados numa estação orbital. um deles recebe a notícia da morte da mãe e, naquele estranho mundo aparentemente imóvel mas à volta da terra a quase 30000 km/h, onde em 24 horas se experimentam dezasseis dias e dezasseis noites, a consciência de ser e observar um planeta azul à distância induz uma reflexão filosófica em todos eles... quase poético, ganhou o booker prize deste ano.

 


the grand equation

tom whlen

ed. black scat books

 

mais uma colecção-maravilha de micro-contos-feitos-poemas-em-prosa.

 


the city and its uncertain walls

haruki murakami

ed. harvill secker

 

a última novela de murakami é na verdade o retomar da primeira, que nunca tinha visto a forma de livro e que apenas aparecera numa revista. é a estreia da temática dos universos paralelos: a namorada de um rapaz desaparece misteriosamente, o que despoleta uma demanda que o conduz a uma cidade imaginária e a um emprego numa biblioteca onde por fim os dois mundos coalescem.

 

 

the collected stories of… (volume one)
philip k. dick
ed. gollancz

promessa antiga: ler as histórias de dick... (vai ser um work em progress para 2025)

 






30 novembro 2024


 
 
 


leituras  de  novembro






















:: notas :: 


 

kafka

nishioka kyodai

ed. pushkin press 

 

nishioka kyodai é um famoso duo irmã-irmão que desenham manga. neste livrinho-maravilha ilustram à sua maneira, em algo que é muito mais do que uma novela gráfica, nove contos famosos de kafka. algumas destas adaptações são pequenas obras-primas.

 


bonecas

tom whalen

ed. cutelo

 

mais um livrinho-maravilha da cutelo, com poemas em prosa e micro-ficções, sempre em torno do universo das bonecas. magnético, divertido, por vezes assustador - tudo o que a literatura deve ser.

 


a corneta acústica

leonora carrington

ed. antígona

 

durante algum tempo (algures no milénio passado) leonora carrington era para mim apenas uma pintora surrealista. depois dei com este livro, que li numa velha edição da penguin, e pouco a pouco fui entrando na atmosfera do seu universo peculiar. esta é a história de uma idosa a quem uma amiga oferece uma corneta acústica, o que lhe permite ouvir  a família a discutir planos para a sua transferência para uma espécie de asilo. porém, já internada, fica a perceber que nada ali é o que parece - e as suas experiências, que têm algo de autobiográfico, são um bom cartão de visita para o que é mais nuclear na sua obra. muito recomendável.

 


poesia quase toda

zbigniew herbert

ed. cavalo de ferro

 

toda a gente devia ser obrigada a ler este livro.

 


all the beauty in the world

patrick bringley

ed. vintage

 

devastado pela morte precoce do seu irmão de apenas 26 anos, o autor deixa o emprego e, angustiado perante a dureza e fealdade do mundo que o rodeia, procura refúgio junto de algo belo - e torna-se guarda no metropolitan museum of art, aquele museu clássico ni central park de nova-iorque. e este seu relato-memória dos vários anos em que ali trabalhou, repleto de curiosidades e histórias reais, constitui um excelente testemunho do que a arte pode fazer pela vida - mesmo quando a vida parece nada fazer pela arte.

 


um artista da fome

franz kafka

ed. e-primatur

 

reunião de histórias e fragmentos escritos durante os dois últimos anos de vida do autor. destaca-se naturalmente o conto “um artista da fome”, provavelmente um dos melhores alguma vez escritos e saúda-se a inclusão como preâmbulo da célebre carta escrita em julho de 1922 a max brod, e que termina com a definição de escritor segundo kafka: o bode expiatório da humanidade, que permite aos seres humanos o prazer sem culpa, quase sem culpa, de um pecado.

 


a kiss for the absolute

shuzo takiguchi

ed. princeton univ. press

 

recolha de poemas de quem introduziu o surrealismo nas letras japonesas.

 

 


 

 



25 novembro 2024

13 novembro 2024

31 outubro 2024

 
 




leituras  de  outubro























:: notas :: 


 

the memory police

yoko ogawa

ed. vintage

 

numa ilha as coisas começam a desaparecer, primeiro chapéus, depois os pássaros e as rosas. e todos vivem com medo da polícia da memória, que draconianamente assegura o esquecimento de tudo aquilo que desapareceu. uma jovem escritora, consciente de que o seu editor vai ser perseguido, esconde-o em sua casa. mas depois os desaparecimentos tornam-se mais complexos e só a sua escrita pode preservar o passado... grande novela sobre o trauma da perda e o poder da memória, numa distopia inesperada e asfixiante.

 


the art thief

michael finkel

ed. simon & schuster

 

relato do percurso de vida de stéphane breitwieser, um personagem que encarna um enigma ainda hoje por explicar. durante alguns anos conseguiu furtar de museus, galerias e lojas centenas de obras de arte, algumas de elevadíssimo valor. nunca procurou as peças mais famosas (quadros ou estátuas) e nunca as colocou à venda no mercado clandestino - apenas as reuniu num sótão, o seu museu particular. foi por fim apanhado e continuam sem resposta perguntas como: mero coleccionador cleptomaníaco? mestre na arte do furto? sociopata dissimulado?  

 


enublado dizes

marcos foz

ed. bestiário

 

é interessante a comparação com “arca e usura”, o anterior livro-poema do autor. naquele havia como o início de um filme-viagem, com a câmara num longo travelling entre memórias passadas (arca) que cobram juros presentes (usura). aqui adensa-se uma sensação de filme-drama, belo e terrível: os projectores apontam para a máquina registadora do mercantilismo vigente, o actor sabe as suas linhas de cor mas hesita, sente-se como o kafkiano agrimensor perante o impenetrável castelo, presa fácil de matilhas (de) selvagens que o perseguem, enredado por fábulas sobre nada. e que filme é este? que comunidade cinéfila é esta, tão pouco moral afinal? e no final, um close-up como resignação redentora?

 


collected stories - vol. 2

henry james

ed. everyman’s library

 

segundo volume dos contos e novelas curtas de james, abrangendo o período de 1892 a 1910. já li o estranho “owen wingrave”, uma variação sobre a tradicional ghost story e tive uma surpresa com “the middle years”, james no seu melhor; entre estas mil páginas estão aqui também obras-primas como “the turn of the screw” e “the beast in the jungle”.

 


asa: the girl who turned into a pair of chopsticks

natsuko imamura

ed. faber & faber

 

o universo de imamura no seu melhor: três curtas novelas marcadas por inícios que nunca correspondem aos finais, pela dicotomia real-surreal e pela alienação resultante de desejos não satisfeitos. uma rapariga quer alimentar as pessoas mas ninguém aceita - acaba por transformar-se em árvore e depois em pauzinhos que por fim levam comida à boca das pessoas. outra rapariga nunca é atingida pelos objectos que lhe atiram - acaba por auto-infligir violência e dor. uma terceira rapariga só quer estar deitada no chão, rastejando se necessário - acaba por encontrar um rapaz que faz o mesmo e...

 


cursed bunny

bora chung

ed. honford star

 

conjunto de contos de uma das novas estrelas da literatura coreana, que desafia os géneros tradicionais misturando ficção científica, fantástico, terror, realismo mágico, suspense e surrealismo (e algo mais). alguns são verdadeiramente surpreendentes e, talvez por isso, outros ficam um pouco aquém.

 

 






29 outubro 2024

 




...e a propósito do (fabuloso) concerto de ontem
andei a (re)ouvir coisas antigas do pregador nicolau











04 outubro 2024

 




uma canção de bryan ferry (e de brian eno) que
voltou do passado e de que continuo a gostar











01 outubro 2024



 



leituras  de  setembro























:: notas :: 



the housekeeper and the professor

yoko ogawa

ed. vintage

 

novela-maravilha que nunca perde o brilho: uma cuidadora é contratada para gerir a casa (e a vida) de um ex-professor de matemática. este, devido a um acidente, apenas recorda os últimos oitenta minutos que passaram. como se vive com alguém cuja memória é tão curta mas para quem os números mantêm a magia de sempre? 

 


o salão vermelho

august strindberg

ed. e-primatur

 

por fim li este clássico.

 


op oloop

juan filloy

ed. snob

 

uma pequena delícia. acompanhamos o último dia de alguém cuja vida é regida segundo um calendário metódico, preciso e rígido, com tudo – desde refeições até visitas a bordéis – cronometrados ao minuto. porém, quando um atraso insignificante perturba este calendário sagrado no dia da festa de noivado do protagonista, o relógio parece apontar para uma desgraça inexorável. tal como leopold bloom na dublin de joyce, optimus oloop percorre uma bueno aires mitificada onde o tempo se descontrolou...

 


music stories

vv. aa.

ed. everyman’s library

 

mais uma colectânea-maravilha da everyman’s, um ovo-de-colombo em reuniões de contos, trechos, textos e poemas dedicados a um tema comum. neste caso é a música, ao som das palavras de woolf, proust, barthelme, flaubert, joyce, nabokov, mansfield, ishiguro e muitos mais.


 

a estrada

manu larcenet / cormac mccarthy

ed. ala dos livros

 

não sou grande fã de novelas gráficas (como se diz agora) mas esta é uma excepção. e excepcional, há muito tempo que não via um desenhador conseguir captar tão bem a essência de um livro.


 

persians : the age of the great kings

lloyd llewellyn-jones

ed. wildfire

 

ciro, dario, xerxes... eram nomes mágicos quando estudávamos o império persa nos tempos do liceu, que parecia sempre estar aquém do grego e do romano. este livro, muito bem escrito, dá-nos um retrato bem mais fiel da realidade (lembrar que a maioria do que até nós chegou foi relatado pelos gregos, que sempre menorizaram os persas).