30 junho 2024

 
 



leituras  de  junho
























:: notas ::


butter

asako yuzuki

ed. fourth estate

 

este é o relato (bizarro, psicológico, misterioso) da interacção entre uma cozinheira gourmet, presa e suspeita de ser uma serial killer, e uma jornalista que pretende desvendar o caso através de entrevistas directas na prisão. na primeira delas a suspeita confessa: há duas coisas que simplesmente não posso tolerar: feministas e margarina. 


 

a loucura do dia

maurice blanchot

ed. snob

 

este breve e magnético livro conta a história de uma loucura, a que consiste em ler além do que as palavras (d)escrevem, ver além do que é visível. talvez por isso seja uma narrativa circular, sem começo nem fim, numa eterna repetição de acaso e propósito, uma justaposição de memória e esquecimento num texto que jamais se fixa. parece ser algo labiríntico, mas os labirintos estão circunscritos aos seus limites - e esta é uma escrita aberta a todas as possibilidades. blanchot terá dito “há o texto e depois nada”. aqui, após o texto há tudo o que quisermos ler nele.


 

kairos

jenny erpenbeck

ed. granta

 

ao contrário de kronos, deus do tempo mensurável, o divino kairos representa o momento oportuno, o tempo como qualidade - e é essa a dimensão desta novela, narrada num estilo peculiar e imaginativo, que venceu recentemente o booker international deste ano. numa alemanha oriental às portas da queda do muro, um homem casado e de meia idade inicia uma relação secreta com uma jovem estudante, que atinge uma dimensão estranha e impensada, enquanto toda a mudança social e política seguinte vai questionar crenças, lealdades e atitudes. e o final, num país em que metade da população espiava e reportava a actividade da outra, nem é assim tão surpreendente.

 


marcus aurelius : the stoic emperor

donald robertson

ed. yale university press

 

excelente e bem escrita biografia de marco aurélio, um romano helenista que talvez tivesse preferido não ser imperador. parece o relato de uma vida, mas contém muitos detalhes históricos e um foco na faceta filosófica, inspirada pela sua educação nos valores do estoicismo, presenta nas suas “meditações”.

 


suicídio

édouard levé

ed. cutelo

 

foi o último livro de levé. evoca-se o suicídio (fictício?) de um amigo de infância, numa narrativa na segunda pessoa. porém, o manuscrito original foi entregue ao seu editor dez dias antes do autor terminar a vida, aos 42 anos. (auto)biografia de um suicídio?

 


edie : american girl

jean stein

ed. vintage

 

o trágico percurso de edie sedgwick, uma rapariga bela, nascida numa família tradicional (e tão rica quanto disfuncional), que se tornou famosa como modelo, musa inspiradora de bob dylan e de andy warhol. a sua biografia acompanha e explica a da américa nos anos sessenta. a biografia tem a particularidade de ser construída como uma montagem de depoimentos e testemunhos alheios, o que neste caso funciona bem.

 


camões - vida e obra

carlos maria bobone

ed. d. quixote

 

uma boa surpresa. partindo dos textos dos biógrafos camonianos “clássicos”, é feita uma revisão e um exame comparativo às suas premissas e argumentos, pelo que esta nova biografia tem logo esse enorme valor - o de resumir e confrontar todas as teorias sobre a vida e obra de luís vaz e as inúmeras interpretações dos seus versos (sabendo-se o quão pouco se sabe verdadeiramente) e dar ao leitor a possibilidade de pensar em tudo isso. o autor propõe as suas opiniões, claro está, mas a abordagem parece-me válida. depois, está escrita em português são e escorreito e, no meu caso, tive ainda satisfação suplementar de ver citado o trabalho do meu tio josé guilherme e a sua procura das raízes flavienses da família de camões.

 

 





10 junho 2024


 


 

Ficções

 

 


 

Podes sempre ler Pessoa sem nunca tentares ser Pessoa

Citá-lo até à idiotia que nada te acrescenta
Cada um de nós tem os seus teatros internos

Alter egos monstruosos que tricotamos numa manta

Ponto por ponto

Cada escritor é apenas leitor de si mesmo

Como Dom Quixote foi leitor de Cervantes

E Hamlet espectador de Shakespeare

Disse Borges 

Em Outras Inquirições

Um escritor pode ser apenas a ficção de um leitor

O leitor a ficção de um escritor

O resto é literatura

Ou poesia se quisermos

Pensei nisto enquanto comia um sonho com açúcar e canela

À mesa da pastelaria.

 

 

 


Ana Paula Jardim