30 abril 2022

 





leituras  de  abril





 


 


 


 


 


 




:: notas ::

 

vivian maier : a photographer's life and afterlife 

pamela bannos

ed. univ. of chicago press

 

com mais de oitenta anos, vivian maier passava os dias sentada num banco de jardim de um subúrbio de chicago, a olhar o lago michigan. alguns residentes conheciam-na de vista, muitos julgavam tratar-se de uma sem-abrigo. a verdade é que nesse momento, sem que ela o soubesse, as suas espantosas fotografias começavam a aparecer em blogs, replicadas sem fim em sites e portais na internet - e tudo porque o seu espólio de dezenas de milhares de fotos, a maioria em rolos ainda por revelar, tinha ido a leilão por ela ter deixado de pagar a renda do armazém onde o guardava. miss maier faleceu pouco depois e, ao contrário do que se quis fazer crer na altura, não se tratava de uma nanny que se divertia a tirar fotografias mas sim de uma enorme fotógrafa que apenas procurou essa ocupação como meio de sustento. sem descendentes directos, o seu legado ainda hoje se vai discutindo em tribunais. nesta biografia fica a história de uma mulher que optou deliberadamente por não divulgar a sua obra, um mistério quase tão grande como o de cada um dos seus retratos, que me remetem sempre para a bela definição de diane arbus: uma fotografia é um segredo sobre um segredo; quanto mais nos diz, menos sabemos.

 


montaigne

stefan zweig

ed. pushkin press

 

no último ano da sua vida, já exilado no brasil, zweig (re)descobriu montaigne através de um exemplar dos seus "ensaios". e terá percebido de imediato, como acontece com qualquer leitor, que montaigne os escrevera directamente para si. todos aqueles pensamentos passados para o papel, na quietude do seu quarto na torre, não são lições sobre como viver a vida, mas induzem em nós a vontade de reflectir em como viver a nossa vida - e é nesse momento que percebemos que nada saberemos do mundo (a célebre pergunta "que sais-je?" que montaigne mandou gravar) enquanto não formos conhecedores do nosso eu mais íntimo, porque apenas quem pensa livremente em si e para si se torna verdadeiramente livre, sendo essa liberdade a base onde repousam os alicerces da felicidade e da plenitude de uma vida bem vivida. um zweig atormentado percebeu-o melhor do que ninguém e, talvez por isso, este ensaio biográfico seja tão brilhante, um marco inultrapassável no género. bela edição de bolso, com uma gravura de dalí na capa e uma excelente introdução de will stone.


 

klara and the sun

kazuo ishiguro

ed. faber & faber

 

num futuro próximo (e algo distópico) vendem-se amigos artificiais, criações robóticas alimentadas a energia solar, capazes de entreter e fazer companhia a jovens com problemas. narrada na primeira pessoa por uma dessas máquinas, de seu nome klara, esta é uma narrativa perturbadora e irresistível, em que cedo nos apercebemos da sua capacidade de observar, criar empatias e, tal como nós, tentar controlar emoções. desde a sua presença inicial na loja, à espera que alguma criança a queira, até ao posterior envolvimento com a família que a acolhe, klara pressente que os humanos são complicados e que as relações interpessoais são o mais difícil de entender - embora isso não a impeça de dar o seu melhor e fazer tudo para que a vida da criança que a escolheu seja mais feliz. no final, muitos anos depois, é abandonada num depósito de artigos obsoletos, à espera que o tempo de vida útil se esgote, enquanto as recordações guardadas na sua memória, lentamente se vão apagando... um ishiguro inesperado, mas ao seu melhor nível.


 

the library : a fragile history

andrew pettegree + arthur der weduwen

ed. profile books

 

o que é uma biblioteca? um conjunto de livros e documentos reunidos pelo gosto de os ver agrupados ou uma tentativa infrutífera de abarcar todo o conhecimento possível? uma vaidade de ricos e poderosos para exibir orgulhos pessoais ou uma nostalgia inconsolável pela reconhecida impossibilidade de replicar a desaparecida alexandria? um recurso evidente para satisfazer pelo acesso à leitura o desejo de uma comunidade ávida de educação e cultura ou um mero devaneio estéril onde se gasta de forma inútil o dinheiro dos contribuintes? este livro não dá respostas, mas ajuda a perceber a necessidade destas e muitas outras perguntas, num percurso fascinante pela frágil história da biblioteca.



 

 

 



03 abril 2022



 


 

nova  fábula  de  pedro  e  o  lobo

 

 

 

  

era uma vez um rapaz chamado pedro e que era pastor.

o trabalho era aborrecido porque as ovelhas eram tristes

e caladas. como se sentia bastante só, resolveu gritar que

andava por ali um lobo feroz. na aldeia todos o ouviram

e logo acorreram para auxiliar pedro a salvar o rebanho.

porém, não havia lobo nenhum - apenas pedro a rir-se de

todos eles por os ter enganado. claro que na vez seguinte

pedro não soltou brados por ter visto um lobo, sabia bem

que ninguém acreditaria nisso. preferiu gritar que sentira

a presença de um furioso tigre e os aldeões foram de novo

ludibriados. uns dias depois clamou ter visto pegadas de

um enorme urso enraivecido mas, desta vez, ninguém da

aldeia o foi ajudar porque, mesmo ao longe, toda a gente

havia reconhecido o velho tyrannosaurus rex esfomeado.