não escrever nada sobre ninguém
uma vez pediram-me que escrevesse um texto
sobre os heterónimos do fernando antónio,
o que não é coisa que se peça a uma pessoa.
mas lá me enchi de boa vontade, afiei o lápis
e decidi enfrentar a folha de papel em branco,
o desafio habitual. e agora, por onde começar,
perguntei-me, talvez pelo álvaro, sempre era
engenheiro, pensei, mas depois lembrei-me
de que o ricardo era melhor poeta. e estava
quase a citar uma ode quando me ocorreu
que o alberto era o mestre de todos, naquela
sua ingenuidade pastoril. pus-me a imaginar
um jardim de palavras quando recordei que
pensar é estar doente dos olhos, e esse vago
desassossego trouxe-me à memória o pobre
bernardo, o que guardava livros em vez de
rebanhos. foi então que me veio uma ideia
melhor, por que não escrever umas linhas
sobre o próprio fernando antónio, afinal foi
ele que imaginou os outros. mas logo então
percebi que nesses irmãos todos faltariam
sempre alguns, de tão inumeráveis que são,
e por esse motivo acabei por pousar o lápis.
é melhor não escrever nada sobre ninguém.