27 fevereiro 2018





saudades  de  lavachequirri





ainda não sabia ler quando surgiram
na minha vida uns pequenos triângulos
de queijo, que apareciam sobre a mesa
muito bem acondicionados em caixas
redondas de cartão. a minha mãe logo
desembrulhava o papel de prata de um
deles, onde pontificava o sorriso de uma
alegre vaca francesa e, enquanto barrava
no pão o pedaço amolecido, dizia-me o
nome mágico: lavachequirri. recordando
agora esses lanches, penso na facilidade
com que esta língua adapta a sua grafia
a palavras alheias, e ocorre-me que se
isto fosse um pouste no feissebuque
talvez até recebesse muitos laiques.




26 fevereiro 2018





em demanda do nocturno mais-que-perfeito:
o standard de victor young 
pelo injustamente esquecido charlie rouse








24 fevereiro 2018





Curso de retórica




Entra pelo portão da sintaxe, e atravessa
o bosque da gramática com as mãos do verbo,
rasgando o caminho que te irá conduzir à última
frase. Depois, recomeça tudo, embora o portão
esteja aberto, e não precises já de o empurrar
para descobrir um chão de pontos e de vírgulas,
fazendo ressoar os teus passos numa abóbada
de sinónimos. Apanha as palavras caídas, e
leva-as para o fundo do dicionário, onde
as irás juntar a um adubo de sílabas. Vê-las-ás
germinar na primavera do verso, e colherás
as suas flores no jardim da retórica, entre
estátuas de deuses e cascatas. Depois, regressa
à página de onde saíste, e fecha o portão.





Nuno Júdice




21 fevereiro 2018






era uma vez um homem cujo tronco sob o casaco era uma árvore e...

(completar a gosto)











18 fevereiro 2018






Mas tenho-te sempre que te falo;
mesmo que não me ouças.

Tenho-te sempre que te respondo –
mesmo que nada tenhas perguntado.




Jorge Reis-Sá





15 fevereiro 2018





uma das coisas curiosas no belo "dunkirk" reside no contraste
entre a violência bélica de algumas imagens e a música quase
onírica de hans zimmer. e aquela cena final é de antologia...







13 fevereiro 2018





a  minha  primeira  lição  de  economia





lembro-me bem da queda do meu primeiro dente de leite.
tinha trincado uma maçã e o pobre coitado, um incisivo
por sinal, deixou de estar bem preso. tocava-lhe com a
língua, num pequeno jogo que inventei, e verificava
com agrado que a cada dia que passava a amplitude
do seu movimento era maior. então, quando a ameaça
de desprendimento se tornara iminente, fui confrontado
com três novas realidades: poderia apressar o processo
com o clássico truque do cordel, aquela dentição precária
era composta por vinte unidades e, claro, foi-me revelada
a existência da fada dos dentes e o benefício monetário
associado à colocação do objecto caído sob a almofada.
arranquei-o eu mesmo e nessa noite a fada não deixou
de me visitar mas, perante o magro lucro constatado na
manhã seguinte, uma pequena conta feita de cabeça  
levou à conclusão lógica de que, ao contrário daquilo
que tinham ensinado, a natureza está muito mal feita.






09 fevereiro 2018






vim aqui apenas para ver
a escreverem-se uns poucos
de versos mais. um espectáculo
admirável, como todos os espectáculos
do mundo: ler a chuva,
compreender o vento, escrever
a água. (tudo o que traz purificação
consigo). movemo-nos sobretudo
na esfera do simbólico: a cadeira
imaginária, o ponto final que não existe,
o autor a tomar-se como objecto.




Rui Tinoco