30 novembro 2015









não me digas outra vez, fernando antónio, que andam todos por aí a comentar que desapareceste faz hoje oitenta anos.
mas, sabes, já nem adianta repetir vezes sem conta que não é verdade, que ainda há pouco estive sentado contigo numa esplanada no chiado, onde uma rapariga te ofereceu duas flores - e que pousaste uma delas na aba do chapéu.













repete-se o azul da semana passada, escrito por james columbus mcshann nos anos quarenta, 
aqui numa versão gravada com t-bone walker no final dos anos sessenta. 
quase um convite a descobrir as sete diferenças.










28 novembro 2015







aqui falei dela e há dias recordei muito esta canção. 
um tempo houve em que este disco não saía do prato do gira-discos.



Oh the feeling
When you're reeling
You step lightly thinking you're number one
Down to zero with a word, leaving for another one

Now you won't put you're feet back on the ground
Down to the ground Down to the ground

Brand new dandy
First class scene stealer
Walks through the crowd and takes your man
Sends you rushing to the mirror
Brush your eyebrows and say
"There's more beauty in you than anyone"

Oh, remember who walked the warm sand beside you
Moored to your heel let the waves come rushing in
She took the worry from your head
But then again
She put trouble in your heart instead
And you fall
Down to the ground Down to the ground

You'll know heartache
Still more crying when you're thinking of your mother's only son
Take to your bed
You say there's peace in sleep
But you dream of love instead
Oh, the heartache you'll find
Can bring more pain than a blistering sun

But oh when you fall
Oh when you fall
Fall at my door

Oh the feeling
When you're reeling
You step lightly thinking you're number one
Down to zero with a word
Leaving for another one
Now you won't put your feet back on the ground
Down to the ground Down to the ground

You'll know heartache
Still more crying when you're thinking of your mother's only son
Take to your bed
You say there's peace in sleep
But you dream of love instead
But oh when you fall
Oh when you fall
Fall at my door








26 novembro 2015






Lisbon blues





Apesar da ignorância da rota desses navios
que descem o tejo, da mulher que nos subúrbios
os vê passar tão rente à sua mágoa,
da moça tímida espiando o mundo
da janela que em breve o escuro virá selar,

ficam bem os sinos esvoaçando sobre a tarde
de inverno em que buscas a justa palavra
e não vê deus a tua aflição: o que cala,
o que finge, o que mente — agreste destino
que te cabe, tingido pelo clarão da dúvida.

Mas ficam bem, ficam bem as meretrizes
de rápido volteio, as matronas alvoroçando-se
para o chá, o aplicado médio funcionário
calculando o produto interno bruto, o amoroso
pagando diária corveia de soluços, os altos
dignitários recebendo honras e tributos.

Sobretudo fica bem a mulher gorda espremendo-se
num ginásio desfeita em suor e penitência.
Mas também ficam bem o contrafactor vigiado
pela lei, o usurário de sebo nos fundilhos,
o proxeneta de olhar felino e os desabrigados
desta rua (embora sobre eles caia o duro
gume do inverno, deles é o reino dos céus).

Ficam bem os poetas pobres que padecem
todo dia a fome da beleza, os críticos
impotentes ficam muito bem, os pretos desta praça
que são alegres e passam bem, o cívico
que ganha o dia de olho no parquímetro
fica bem apesar dos amáveis impropérios.

Ficam ainda bem os canídeos que defecam
nos passeios e as madames que os trazem
pelas trelas sempre prontas a pregar civilidades
a esses que falam alto e têm modos estrangeiros.
Mas que fiquem bem as raparigas de cabeças ocas
que têm como único tesouro a juventude
para que não seja a lamentação
o tributo dos vindouros dias.

Só eu não fico bem, senhor meu,
que aguardo toda a tarde pelo poema
que não vem, embora navios subam
o tejo aulindo através do nevoeiro.
Mas tudo está bem quando é o deus
quem assim o quer.







José Luiz Tavares






24 novembro 2015







fábula  mariana





se tivesses inventado o nosso alfabeto, nele haveria muito menos letras,
mas decerto mais vogais. não sei se o sabes mas eu sim, sei-o com certeza,
porque a voz das tuas imagens comporta esses gritos, guturais mas puros,
completos e roucos ao mesmo tempo, que brotam da garganta de quem
tem uma voz, que são muitos mais que os sons das nossas cinco vogais,
e desde logo tornam a maior parte das consoantes desnecessárias.

observo o traço no desenho destas imagens e esse alfabeto, o teu,
torna-se-me evidente. habituei-me a reconhecê-lo quase de imediato
e hoje, alguns anos passados desde o meu primeiro olhar, talvez o pudesse
recitar quase de cor, sem receio de cometer alguns erros gramaticais, mesmo
sabendo dessas regras secretas apenas conhecidas de quem as inventou.

é claro que quando se inventa uma linguagem assim, logo se esquecem
os dicionários, e talvez seja por isso que nem todos te conseguem ler.
muitos não se apercebem da quantidade de coisas apenas vagamente sugeridas,
das frases implícitas na escolha de uma simples cor, dos inúmeros parágrafos
inscritos numa só das tuas palavras tornada linha ou traço ou ponto ou nada.

nem todos te reconhecem: há coisas assim, gratuitas mas que não são para todos.
os que conseguem decifrar esse texto feito desenho, alguns poucos privilegiados,
esses são os cúmplices da ironia tão escondida numa gravura aparentemente feliz,
são os que se identificam com o humor desarmante por trás das imagens mais tristes,
esses dão por si a ler todo o alfabeto e, por fim, lêem-se nele. e são menos miseráveis.














perfume de outra mulher
mariana a miserável






[ fotografia a p&b do original apresentado na exposição "eu tenho dois amores" ]

23 novembro 2015






os rolling stones começaram por gravar covers dos seus heróis americanos, gente do rhythm&blues e do rock'n'roll
é o caso deste azul, escrito nos anos quarenta por jay mcshann, aqui recriado com uma profundidade pouco comum 
para uns novatos no seu ano de estreia.




Baby here I stand before you
With my heart in my hand
I put it to you mama
Hoping that you'll understand
Oh, baby, mama, please don't dog me 'round
Yeah I would rather love you, baby
Than anyone else I know in town

This is my confession, mama
And it's sung by all your song
It proves that I'm in heaven, mama
When you hold me in your arms
Well, baby, can I have you for myself
Yeah, if I can't have you, baby
I don't want nobody else

Well, baby, don't you want a man like me
Well, baby, don't you want a man like me
Yeah, think about your future, baby
Forget about what you used to be





22 novembro 2015







Mar dentro





Descalçámos as pernas,
como fossem botas,
entrámos mar dentro
à força de braços.

Um é a soma de dois.

Precipitámos gotas de chuva
para fora de nós -
a Ilha dos Amores é já ali
a seguir à curvatura da Terra.







Carla Pinto Coelho







21 novembro 2015

20 novembro 2015






grigory sokolov, talvez o maior pianista actual, a tocar ao vivo um intermezzo de brahms que é




[um pouco de céu na terra]






19 novembro 2015





Se tivesse carta





Se tivesse carta, faria sentido comprar um automóvel; poderia, então,
meter o sofrimento na mala e abandoná-lo num outeiro.






Miguel Martins







17 novembro 2015






fábula  do  sousa,  do  silva  e  da  gueixa
(ou  do  eterno  triângulo  amoroso)






“aqui declamo:
sou o sousa.
e silva, amo
a sua esposa!”


“ora, deixa-
-me a gueixa
em paz,
rapaz.”


“só queria não
ser musa
nesta questão
confusa.”







16 novembro 2015






escrita por cole porter, esta é uma das canções da minha vida. apeteceu-me recordá-la na versão que os negresses vertes fizeram para a colectânea "red, hot & blue". 
é segunda-feira, faz de conta que é um azul por paris.



Every time I look down on this timeless town
whether blue or gray be her skies.
Whether loud be her cheers or soft be her tears,
more and more do I realize:

I love Paris in the springtime.
I love Paris in the fall.
I love Paris in the winter when it drizzles,
I love Paris in the summer when it sizzles.

I love Paris every moment,
every moment of the year.
I love Paris, why, oh why do I love Paris?
Because my love is near.






15 novembro 2015






d e s c u b r a
a s
s e t e
d i f e r e n ç a s :






para quem não sabe, a hailey tuck é uma provável "next big thing" do jazz actual. escreve as suas próprias canções e recria outras com um estilo muito peculiar. é o caso desta cover de uma canção pop dos maroon 5, num clip delicioso filmado (claro) em paris. descubra as diferenças desta manhã de domingo




a) cantada pela hailey




b) cantada pelo adam 







12 novembro 2015








festeja hoje setenta risonhíssimas translações solares o menino neil percival young, canadiano tranquilo, um dos meus heróis da música pela sua coerência e independência e uma das grandes e boas memórias da minha adolescência. muitos muitos parabéns neil.



Think I'll pack it in
and buy a pick-up
Take it down to L.A.
Find a place to call my own
and try to fix up.
Start a brand new day.

The woman I'm thinking of,
she loved me all up
But I'm so down today
She's so fine, she's in my mind.
I hear her callin'.

See the lonely boy,
out on the weekend
Trying to make it pay.
Can't relate to joy,
he tries to speak and
Can't begin to say.

She got pictures on the wall,
they make me look up
From her big brass bed.
Now I'm running down the road
trying to stay up
Somewhere in her head.

The woman I'm thinking of,
she loved me all up
But I'm so down today
She's so fine she's in my mind.
I hear her callin'.

See the lonely boy,
out on the weekend
Trying to make it pay.
Can't relate to joy,
he tries to speak and
Can't begin to say.













Pedaço 1





E isto te parece estranho
por isso essa palavra
uma só, nada desajeitada de tamanho certo
a palavra em laço
onde embrulhaste o mundo
e eu digo-te nas tuas palavras
que hão-de ser líquidas um dia


que o amor é tudo o que existe
não é tudo o que sabemos do amor






Joana Espain