30 novembro 2013










hoje tive uma ideia na banheira, mas
por pouco tempo: infelizmente
não me apareceu no cérebro, como é habitual, mas
sim à tona da pele
de modo que a água do chuveiro a
levou ralo abaixo
dela restando apenas flocos de espuma e
outra ideia irresistível
quantas não andarão por aí mergulhadas
nos esgotos nas estações de tratamento de água
(algumas bem precisam de ser desinfectadas)
sem mencionar rios riachos ribeiros mares e
à conta de tudo isso
quantas ideias não bebemos num simples copo de água









Bénédicte Houart










[ para a alexandra ]












santa monica, california
elliott erwitt











29 novembro 2013








Cerveja & remorsos







Os dias: deposito-os na pele. Deus (ou
qualquer coisa por Ele) está com certeza
por trás desta tarde de domingo (o
verão chegando ao fim imenso
em seus labirintos)
acautelamos derrotas milímetro a
milímetro. Por vezes
(mais distraídos) somos
tecnicamente felizes
abrindo nozes ao meio (quais cirurgiões das meninges)
desenrolando croissants à procura
do infinito. Mas
sabes quando sabe
a derrota apesar de ter vencido?
Não se vence por inteiro quando o
tempo é o inimigo.










João Luís Barreto Guimarães
















"I have never believed that the critic is the rival of the poet, but I do believe that criticism is a genre of literature or it does not exist."





Harold Bloom



















harold bloom
richard avedon









28 novembro 2013







Enigma






Quando só formos a palavra abstracta
nem já nome de corpo
- incapaz de servir-se da linguagem
quem a retirará das águas?








Gastão Cruz

















gosto de pensar que esta canção de waits sobre uma missão na 5th street da baixa de l.a., 
onde param vagabundos, sem-abrigos e outros nómadas da cidade dos anjos, 
podia ter sido escrita por steinbeck ou caldwell. também não sei se melhor.



Sticks and stones will break my bones but I always will be true
and when your Mama´s dead and gone, I'll sing this lullaby just for you
And what becomes of all the little boys who never comb their hair
They're lined up all around the block, on the nickel over there.

So better bring a bucket, there is a hole in the pail 
And if you don't get my letter, then you'll know that I'm in jail
and what becomes of all the little boys who never say their prayers
They're sleepin' like a baby, on the nickel over there.

And if you chew tobacco and wish upon a star, 
You'll find out where the scarecrows sit, just like punchlines between the cars
And I know a place where a royal flush can never beat a pair
And even Thomas Jefferson is on the nickel over there.

So ring around a rosie, you're sleepin' in the rain
And you're always late for supper
And man you let me down again I thought I heard a mockingbird
Roosevelt knows where, you can skip the line with Grady Tuck,
on the nickel over there.

So what becomes of all the little boys who run away from home
The world just keeps gettin' bigger, once you get out on your own
So here's to all the little boys
The sandman takes you where you'll be sleepin' with the pillowman
On the nickel over there.

So climb up through that buttonhole, and fall right up the stairs
And i'll show you where the short dogs grow
On the nickel over there.










27 novembro 2013












chair car
edward hopper
















“Avatars and the lack thereof. The answer would become clear once I located the writings of Obsalte: 
avatars never begin a dynasty; rather, avatars end them”.







Kane X. Faucher  (in “The Infinite Library”)








26 novembro 2013









fábula  da  escolha  de  um  avatar







pensei primeiro numa imagem da fúria do mar, um mar anterior ao mar, claro,
mas cedo percebi que essa grandiosidade se dilui num quadrado tão pequeno
depois foi um veleiro, sem mastros mas com velas a ouvir segredos do vento
só que os navios fantasma não se podem captar num instantâneo da memória
lembrei-me então de reproduções de cordames ásperos e antigos nós náuticos
e dedos de marinheiros a eles unidos em lendas de plantações de naus a haver


aprisionado a imagens de dedos, espraiados nas mãos como um rio num delta
recordei os de vermeer, que nunca vi, e até os de bach aflorando um teclado frio
e por fim veio-me à lembrança aquela imagem de miles davis a tocar um trompete
que não se vê mas está mais que presente, num colorido imortal a preto e branco








{captada por irving penn durante as sessões para a escolha da capa do álbum “tutu”, esta é uma fotografia mais-que-perfeita: 
uma mão negra de palma tão clara como a minha empunha um trompete de um dourado baço; embora pareça imóvel, o trompete está vivo, 
ouço-lhe a respiração: um silvo agudo aqui, um murmúrio ali. dizem-me que há quem o não veja, e apenas se aperceba dos dedos mágicos, 
dobrados misteriosamente, mas creio não ser esse o meu e o teu caso, leitor}







25 novembro 2013








otis rush é mais um guitarrista de azuis que nasceu no mississippi e rumou a chicago.
ainda está vivo mas deixou de actuar há muitos anos, pois foi vítima de um avc.
era canhoto mas apenas virava a guitarra para o lado direito, mantendo o encordoamento habitual, ou seja, a corda mais fina passava a ficar em cima - e dizem que o seu estilo peculiar de tocar tem a ver com isso.



Three times a fool because I love you so
Time wears on but I have to let you go
But I'm trying to be nice baby, it's so hard to do
It's hard to be nice baby when you treat me the way you do

You never been loved like you are right now
Temptations great, but I love you anyhow
But I'm trying to be nice baby, it's so hard to do
It's hard to be nice baby when you treat me the way you do

Might not be a bad thing to bring about a change
May bring sunshine and may bring rain
But I'm trying to be nice baby, it's so hard to do
It's hard to be nice baby when you treat me the way you do





















hollywood africans
jean-michel basquiat









24 novembro 2013







no princípio era o verbo






no princípio era o verbo e
o verbo fez-se tu
carne que saboreio
ao acaso do tempo e
que nunca me sacia
ao acaso da vida









Bénédicte Houart
















gershwin é provavelmente o maior compositor do chamado "american song-book", 
mas há qualquer coisa que só os "standards" de cole porter conseguem despertar em nós.



All through the night
I delight in your love
All through the night
You're so close to me

All through the night
From a height far above
You and your love
Bring me ecstasy

When dawn comes to awaken me
You're never there at all
I know you've forsaken me
Till the shadows fall

But then once again
I can dream
I've the right to be close to you
All through the night

But then once again
I can dream
I've the right to be close to you
All through the night























cole porter
richard avedon











23 novembro 2013








Suddenly afraid




because she couldn’t write the name of what she was: a wa wam owm owamm womn










Lydia Davis
















não sei se um bar pode seduzir uma gaivota, 
não sei se a neve que derrete desagua num rio
não sei há quanto tempo viajo em círculos



A barroom may entice a seagull like me
Right off the sea, right off the sea
And into the barroom, the barroom
The barroom, barroom, barroom

And let go, yeah let go of the trapeze
And melt the snow of dream river
Dream river, dream river, river
Dream river, dream river, river

I wonder if I’ll ever wake up
I mean really wake up
Wake up and wake you too
First thing that I will do, I will wake you too

How long have I been gone?
How long have I been traveling?
And how tired have I been?
And how far have I got in circling and circling and circling?

With all the tolls we pay
We’ll own the highway someday
With all the tolls we pay
We’ll own the highway someday

And the weight of the world slips away, slips away
And the seagull falls back on the sea









22 novembro 2013






  

Take comfort







Take comfort from this.

You have a book in your hand

not a loaded gun or a parking fine

or an invitation card to the wedding

of the one you should have married
but were too selfish. Always imagining
there would be someone better out there
but there wasn’t, and you missed the boat.
And now you’re pushing forty, what are the chances
of your finding that perfect elusive partner? Highly unlikely.
Like an empty glass on a bar-room counter, loneliness beckons.

Not an empty glass, or a bottle smashed on a bar-room counter
a photograph of the one you will always regret not marrying
not a letter from the hospital, the results devastating.
After the disaster, the dust and the screaming
a child’s arm thrust out from the rubble.
You have none of these in your hand.
A dirty syringe or a deadly scorpion

A Molotov cocktail or an overdose

not a loaded gun or a parking fine

you have a book in your hand.
Take comfort from this.











Roger McGough