27 agosto 2014






fábula  de  um  amor  impossível






[sobe o pano. é abril em saint-germain des près, na paris de 1949]

julieta: eu nunca tinha visto um homem assim tão belo. e não voltei a ver. ele tocava e eu observava-o de perfil: um deus egípcio. foi michèle, a mulher de boris vian, quem mo apresentou e eu fiquei fascinada. ele tinha essa beleza e irradiava génio. era força e estranheza ao mesmo tempo. era a diferença e a modernidade do que ele tocava. eu tinha vinte anos e entendia aquela liberdade. tudo era partilhado porque não tínhamos meios, mas estávamos apaixonados. penso que ele ficou algo surpreendido por isso, pela minha liberdade e pela minha ausência de opinião e perspectiva sobre a questão racial. depois, não sei, talvez a música fosse mais forte, ele partiu.

romeu: a música tinha sido toda a minha vida e não tinha olhos nem tempo nem espaço para mais nada, até ao meu encontro com ela. ela trouxe-me isso, o que era gostar de algo que não a música. foi a primeira mulher que amei como um ser humano, num plano de liberdade e igualdade. ela era tão bela. eu não falava francês, ela não falava inglês: comunicávamos por expressões, por linguagem corporal. e depois já só falávamos com os olhos e os dedos. não havia lugar para o falso. durou algumas semanas e depois parti. mais tarde jean-paul sartre perguntou-me porque não tínhamos casado. respondi-lhe que não queria que ela fosse infeliz.

[cai o pano]







12 comentários:

  1. Sempre actual a sua fábula. Já lhe disse o quanto adoro as suas fábulas? O teatro como representação do palco da vida é sempre algo fascinante. :-)))

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  2. Roubei porque não resisto a histórias destas, principalmente tão bem contadas ;)
    (mas deixei tudo como estava, que sou uma bandida civilizada)

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    1. roubada por ti, querida anita, qualquer história se torna lendária ;)

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  3. As tuas fábulas têm um sabor diferente. Gosto muito! :)

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  4. Gosto muito desta história por várias razões, sendo a ordem arbitrária:
    1 - Por ter referido um pedaço da vida de Gréco e Miles Davis que desconhecia e parece ter tido uma influência significativa no trabalho que ele desenvolveu nos anos que se seguiram. Portanto, este aguçar da curiosidade levou-me à procura de mais informação, o que é sempre bom.
    2 - Há uma ligação muito bem conseguida entre uma tragédia escrita no século XVI e figuras das letras, filosofia e música de vários períodos do século XX.
    3 - Julgo ser a primeira vez que o José Luís publica aqui um excerto de uma peça de teatro escrita por si. Não me recordo de ter lido outra fábula sua em linguagem teatral e olhe que fiquei muito agradada com esta novidade.
    4 - Pareceu-me ser uma das fábulas que tem mais o cunho pessoal do José Luís. Digo isto porque há expressões e forma de construir frases que se assemelham bastante às introduções que tem feito em diversos post. Considero isto positivo porque significa que há uma marca mais notória de si, que tem um estilo próprio.
    Parabéns! Está mesmo muito bom!

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    1. é como se fosse (um excerto de uma peça), mas nunca escrevi nada para teatro. era o que faltava. ;)

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  5. Maravilhosa fábula!!!

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