05 abril 2018





elogio  da  preguiça





ai que prazer não cumprir um dever,
dizia o fernando antónio, rendido ao
doce entorpecimento da inacção. eu
também sempre preferi ficar a dever
um dever cumprido do que cumprir
o mesmo dever incumprido. dizem
que a preguiça é a mãe de todos os
vícios mas pelos vistos jamais alguém
tentou indagar quem foi o pai dessa
abençoada e indolente inércia, a que
me entrego sem qualquer remorso.
também acho graça vê-la considerada
um dos sete pecados capitais, e por
muitos enumerada num modestíssimo
sexto lugar, entre a inveja e a soberba.
apenas observo o decurso do tempo,
a vagarosa lentidão dos ponteiros no
relógio, imaginando-me bradípode e
desdentado, pendurado num galho
na selva sul-americana, sublimando
numa morosa oscilação ao sabor da
cálida aragem essa negligente aversão
a todo o labor tornado obrigatório e
qualquer forma de cumprimento do
dever. e assim permaneço, órfão de
pai mas feliz ao colo da minha mãe,
embalado por esse sonolento verso
ai que prazer não cumprir um dever.







3 comentários:

  1. Ai, tenho que aprender...gostava tanto de a ter.
    ~CC~

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    1. eu até gostava de ensinar... mas dá tanto trabalho... ;)

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  2. ah, ah...pois é, se dá!
    ~CC~

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