26 outubro 2017







outra  fábula  de  palavras  cada  vez  mais  curtas





e assim ponho-me a escrever poemas inábeis sobre a incerteza da noite,
tentando deste modo encontrar a saída deste vasto e sofrido labirinto
dessas palavras de uma voz que procuro sem encontrar, quando me
apercebo de que apenas me apropriei de palavras alheias, numa
tentativa infrutífera de acreditar que de mim teriam nascido.
tento entretecê-las numa linguagem, que nunca poderia
ser a minha, e concretizar assim um grito de dédalo
sem asas, consciente de que o que escrevo mais
não é que uma replicação de uma fábula de
palavras cada vez mais curtas, incapazes
de comigo colaborarem quando lhes
peço, derrotado por estes muros
intransponíveis, para serem
a minha voz dentro da
ária muda que sei
jamais alguém
iria cantar
aqui.





21 outubro 2017







A melhor das distracções





Hoje fui grão-senhor
- marajá, bey, khan,
um nababo qualquer desses com poderes
de Vida e Morte.
Recusei com desdém
oitenta camelos carregados de sedas, ouro,
pedrarias, - o costume.
Afastei enfadado
as inomináveis iguarias que me foram servidas
e nem sequer me dignei
olhar as dezasseis virgens sortidas,
fruto do último saque.
Onde me diverti a valer,
foi com as línguas que mandei cortar.






Rui Knopfli






18 outubro 2017






lista de livros lidos em 2017 :




1 : strange weather in tokyo, hiromi kawakami, portobello books



2 : the book, keith houston, w. w. norton


3 : ver no escuro, cláudia r. sampaio, tinta-da-china   


4 : mil anos de esquecimento, afonso cruz, alfaguara


5 : oscar wilde, a certain genius, barbara belford, bloomsbury  


6 : oscar wilde, richard ellmann, penguin


7 : kitchen, banana yoshimoto, faber & faber



8 : la tentation de saint antoine, gustave flaubert, folio
 


9 : tres deseos (poesía reunida)amalia bautista, renacimiento


10 : early christian lives, carolinne white, penguin classics


11 : hyeronimus bosch: the complete worksstefan fischer, taschen


12 : the desert fathers: sayings of the early christian monksbenedicta ward, penguin classics


13 : poesía completa, alejandra pizarnik, lumen


14 : el asombroso viaje de pomponio flato, eduardo mendoza, booket


15 : sonetos de shakespeare, trad. vasco graça moura, quetzal


16 : the visiting privilege (collected short stories)joy williams, tuskar rock


17 : rashomon and seventeen other stories, ryunosuke akutagawa, penguin classics


18 : aves de incêndio, raquel serejo martins, poética


19 : a cup of sake beneath the cherry trees, yoshida kenkö, penguin classics


20 : a brecha, joão pedro porto, quetzal


21 : las tentaciones de lisboa, luis maría marina, trea 


22 : the book of tokyo (a city in short fiction)vv. aa., comma


23 : contra mim falo (poesia reunida), vasco gato, plural


24 : granta 9 :: comer e beber, vv. aa., tinta-da-china


25 : arrancar penas a um canto de cisne, luís quintais, assírio & alvim


26 : three tang dynasty poets, vv. aa.penguin classics


27 : enigma, jan morris, tinta-da-china


28 : men without women, haruki murakami, harvill secker


29 : librerías, jorge carrión, anagrama


30 : wabi sabi : the japanese art of impermanenceandrew juniper, tuttle


31 : uso particular (poemas escolhidos)rui knopfli, do lado esquerdo


32 : the old man of the moon, shen fu, penguin classics


33 : cuentos completos 1 (1945-1966)julio cortázar, debolsillo


34 : diane arbus : portrait of a photographerarthur lubow, ecco


35 : fifteen one-act plays, sam shepard, vintage


36 : mike tyson para principiantes (antologia poética)rui costaassírio & alvim


37 : the book of tea, kakuzo okakura, penguin classics


38 : nada tem já encanto (poemas escolhidos)rui knopflitinta-da-china



39 : ...






15 outubro 2017





mesinha  de  cabeceira






abandonada no passeio encontro uma mesinha de cabeceira. silenciosa,
a madrugada observa-me a remexer na pequena gaveta. lá dentro, uma
certidão de nascimento autenticada, um certificado de habilitações, um
requerimento antigo em papel selado, cópias de análises clínicas e até
o inevitável curriculum vitae. alguém rejeitou os registos de uma vida.
e assim ponho-me a escrever poemas inábeis sobre a incerteza da noite,
porque o teu rosto parece mais nítido na ausência de luz, como acontece
com as estrelas já mortas, que contra o céu escuro ainda vão brilhando,
cintilantes de promessas jamais cumpridas. e só na manhã seguinte me
apercebo de que os documentos não tinham o meu nome. nem o teu.








13 outubro 2017







o jovem thomas allan, a propósito de tudo e de nada... (e mais alguma coisa):








10 outubro 2017

07 outubro 2017





o  triunfo  de  ícaro






claro que vou voar cada vez mais alto,
subir aos céus até tocar o sol. e depois
olhar lá de cima a terra e o mar, sorrindo.
já ouço o meu pai a gritar e esbracejar
alertando-me para a proximidade do
calor dos raios do sol, bem sei, a cera pode
derreter e desfazer as asas, ou lá o que é,
mas estaria bem arranjado se pensasse que
umas simples penas poderiam ser unidas
de modo firme e duradouro apenas com
resíduos de mel. olhem, vou contar-vos
um pequeno segredo, que é também uma
história: era uma vez uma super-cola três.













[ sunset boulevard ]







05 outubro 2017





confissão  de  dédalo  na  véspera  do  voo






não, nem zeus poderia desatar estas redes de pedra
que me cercam. sim, esqueci todos os homens que
antes fui e vou seguindo este caminho bifurcado
entre paredes que não serão afinal o meu destino.
nesta poeira decifrei rastos que temi, quando nas
sombras aqui bramia aquele homem desolado com
cabeça de touro, ele que apenas ansiava pelo meu
sangue. se ainda aqui estivesse, ambos decerto nos
procuraríamos e este dia teria sido igualmente o
último de uma longa espera. isto é tão nítido que
daqui a milhares de anos até um cego argentino
o descreverá com surpreendente luminosidade.








03 outubro 2017







thomas earl petty nunca foi um dos meus ídolos musicais naquilo a que se chama rock.
sempre preferi j. j. cale, bob seger e bruce springsteen, apenas para citar alguns dos nomes
que preenchem a (minha) galeria de notáveis americanos que cultiva(ra)m o género.
mas, com o seu desaparecimento e neste ano em que a morte me tem rodeado,
recordo a minha (sua) canção favorita e aquele videoclip, estranho e creepy. see you, tom.








01 outubro 2017






Não são poemas




Não são poemas o que eu escrevo.
São casas onde os pássaros esperam.
Nas suas janelas coincide o mundo.
Nos seus esteios resvalam gigantes.
Algumas vezes ódio.
Algumas vezes amor.
Não são mortalhas incondicionais do medo.
O HÓSPEDE DA CASA NÃO
TEM O DEVER DE SER FELIZ!
Não são poemas que eu escrevo.
São espelhos onde os rostos principiam.





Rui Costa