27 junho 2017






fábula de uma lisboa mais amarga




era um sítio mágico, suspenso no tempo, ao fundo daquela avenida inundada de jacarandás. 
e quem olhava para o edifício nunca adivinhava os segredos escondidos no seu interior. 
ali pude ver bom teatro e ouvir boa música, foi naquele bar que reencontrei amigos 
que não via há trinta anos. e, claro, jamais esquecerei que naquelas salas foram lançados 
os meus dois (três) livrinhos. para além da profunda tristeza pelo sentimento de impotência
perante esta vertigem voraz do imobiliário, que vai matando lenta e inexoravelmente 
as memórias mais doces da cidade, só lamento não poder ser ali que se irão festejar 
os gloriosos duzentos e sessenta e quatro aniversários da imortal cossoul.






http://observador.pt/2017/06/26/depois-de-132-anos-a-sociedade-guilherme-cossoul-precisa-de-uma-morada-nova/






26 junho 2017






Depois do beijo inaugural
o ângulo agudo fica obtuso,
todas as palavras acentuadas e esdrúxulas.
Depois, o mundo do avesso,
sentes-te um menino travesso,
percebes que há coisas sem preço,
e escolhes sempre a doçura.




Raquel Serejo Martins







20 junho 2017






memória  de  argonauta,  anos  após  uma  escala  em  lisboa





só recordo as tristes pedras das calçadas íngremes

fiquei com a ideia de ser uma terra de tabaco
onde há mais mulheres a chorar com filtro
que homens sorrindo a fumar sem filtro

ou talvez a recordação me atraiçoasse
talvez não fossem estas as palavras 
que faltavam naquela cidade vã





17 junho 2017





lista de livros lidos em 2017 :




1 : strange weather in tokyo, hiromi kawakami, portobello books



2 : the book, keith houston, w. w. norton


3 : ver no escuro, cláudia r. sampaio, tinta-da-china   


4 : mil anos de esquecimento, afonso cruz, alfaguara


5 : oscar wilde, a certain genius, barbara belford, bloomsbury  


6 : oscar wilde, richard ellmann, penguin


7 : kitchen, banana yoshimoto, faber & faber



8 : la tentation de saint antoine, gustave flaubert, folio
 


9 : tres deseos (poesía reunida)amalia bautista, renacimiento


10 : early christian lives, carolinne white, penguin classics


11 : hyeronimus bosch: the complete worksstefan fischer, taschen


12 : the desert fathers: sayings of the early christian monksbenedicta ward, penguin classics


13 : poesía completa, alejandra pizarnik, lumen


14 : el asombroso viaje de pomponio flato, eduardo mendoza, booket


15 : sonetos de shakespeare, trad. vasco graça moura, quetzal


16 : the visiting privilege (collected short stories)joy williams, tuskar rock


17 : rashomon and seventeen other stories, ryunosuke akutagawa, penguin classics


18 : aves de incêndio, raquel serejo martins, poética


19 : a cup of sake beneath the cherry trees, yoshida kenkö, penguin classics


20 : a brecha, joão pedro porto, quetzal


21 : las tentaciones de lisboa, luis maría marina, trea 


22 : the book of tokyo (a city in short fiction)vv. aa., comma


23 : contra mim falo (poesia reunida), vasco gato, plural


24 : granta 9 :: comer e beber, vv. aa., tinta-da-china


25 : ... 





15 junho 2017







mark kozelek (dos red house painters e sun kil moon) na recriação de uma velha canção dos yes


[sim, outro nocturno mais-que-perfeito]






13 junho 2017





... e, no dia em que se celebram as tuas cento e vinte e nove risonhas primaveras,
apeteceu-me, fernando antónio, recordar uma das tuas (minhas) fábulas de lisboa: 




  rua  garrett






e então sonhava ser um faraó quando éramos muitos dentro de mim
alberto, ricardo e álvaro falavam-me sempre no nobre porte de kheops
e bernardo achava que o meu perfil lhe lembrava muito o grande ramsés
mas eu sabia que se tivesse conhecido tutankhamon teria sido mais feliz
na certeza de ter encontrado uma improvável alma gémea longe do nilo
à beira-tejo neste rio à beira-sonho que desagua tão perto do à beira-eu

agora, mumificado para sempre na memória dos que sobem a rua garrett,
espero… mas sei que ninguém se sentará ao meu lado neste vale dos reis

  







10 junho 2017






Ditoso seja aquele que somente
Se queixa de amorosas esquivanças;
Pois por elas não perde as esperanças
De poder nalgum tempo ser contente.

Ditoso seja quem estando ausente
Não sente mais que a pena das lembranças;
Porqu'inda que se tema de mudanças,
Menos se teme a dor quando se sente.

Ditoso seja, enfim, qualquer estado,
Onde enganos, desprezos e isenção
Trazem um coração atormentado.

Mas triste quem se sente magoado
De erros em que não pode haver perdão
Sem ficar na alma a mágoa do pecado. 





Luís Vaz de Camões












[...outro nocturno mais-que-perfeito...]








09 junho 2017






O inviolável em nós




A rua está repleta de desgosto ou escura virtude.
Passam e dizem coisas, palavras ditas, ilegíveis agora
no enlace do verso, estrada dobrada em direcção a um lugar
onde certamente nunca estivemos, nunca estaremos.

Eu persigo-te, celebro-te, enterneço-me com a ausência
que se abeira levemente de ti.
Uma lâmina romba traça o inviolável em nós.





Luís Quintais






05 junho 2017






O barco impresso na areia.
O sal que,
pelo descuido que tudo infecta,
lhe vai rachando
a madeira.
Lentíssimas machadadas.
Lacónica realidade.





Vasco Gato






03 junho 2017





na semana passada voltei a ter aquele sonho com o tom waits. espero mesmo que não seja nenhuma premonição, era o que faltava.
mas ontem o sonho, digamos, musical foi com o mark sandman. eu estava ao volante, numa estrada através de um deserto, e passei por um carro avariado, com alguém a pedir boleia. claro que era ele. durante o percurso até à cidade mais próxima passámos por cactos e dunas e falámos de bach, contraponto e o que teria levado adolphe sax a inventar mais um instrumento de sopro.
e nada parecia estar errado.










01 junho 2017






Despedida




Era um poema de Li Bai,
mas sem as colinas escuras,
sem águas claras,
sem a muralha oriental,
sem a erva das estepes,
sem as nuvens flutuantes,
sem crepúsculos.

Era um poema de Li Bai,
um lugar assim despido
onde fizemos a nossa despedida:
velhos amigos dizem adeus
e os seus cavalos também.





Pedro Mexia