24 setembro 2016






maio de 68




um belo dia em maio
de sessenta e oito, tempo
feito de equívocos,
em alfama, as vizinhas conversavam.

a roupa secava ao sol.
os filhos estavam na escola.
elas falavam dos maridos.
e comentavam luísa, a

apanhadora de malhas em meias,
com o marido fora há dez anos,
sem dar notícias. tinha havido
desordens entre quatro

homens daquele bairro, por causa
de luísa, que os
ignorou e continuava a
cuidar do filho e a

apanhar malhas, sossegadamente,
na janela do rés-do-chão,
inclinando a cabeça como
a rendilheira de vermeer.

estavam as vizinhas
nisto, deplorando
o desperdício da
juventude de luísa,

por absurda esperança e
por delicadeza
assim perdendo a vida, quando
se aproximou um estranho.

deitam-se a adivinhar.
aquele bem podia ser fernando,
marido de luísa
e alvoroçaram-se e um cão ladrou.

no beco, entre
os potes de sardinheiras
e a roupa ainda a secar,
estavam enganadas, mas

tinham razão num ponto:
era um marinheiro grego,
exausto, ainda a ofegar,
depois de uma cena de porrada

das antigas, que não tinha
nada a ver com luísa,
mas que se
chamava odisseus.





Vasco Graça Moura




21 setembro 2016





uma das minhas canções preferidas é esta, de cass mccombs (e verifico agora que nunca aqui o tinha citado). o clip, de que também é co-autor, tem piada por mostrar essa noção algo difusa que sempre me inspiram as fronteiras, por serem quase sempre óbvias (caso das cenas filmadas no méxico) mas haver nelas por vezes algo mais subtil nessa linha que marca a diferença (cenas em new orleans).




on my way to you, old county
hoping nothing's changed
that your pain is never-ending
that is, it's still the same
county line, county line
i left so far behind

you never even tried to love me
what did i have to do to make you want me?
i feel so blind, i can't make out the passing road signs
all that you would have me do is cross that county line

now you know i'm coming, old county
to see construction sites
and your new homes never-ending
i think i can see the lights
county line, county line
i can smell the columbine

you never even tried to love me
what did i have to do to make you want me?
i feel so blind, i can't make out the passing road signs
all that you would have me do is cross that county line



11 setembro 2016





mesmo que a morte já me tenha roubado um amor,
intimamente sei que nada deve magoar e doer tanto 
como o desaparecimento de um filho. talvez o luto de
nicholas edward cave possa ter sido assim, reunir um
conjunto de canções sombrias, dolorosamente tristes mas 
comoventemente belas na sua amargura. e conseguir
terminar o disco dizendo que agora está tudo bem.











03 setembro 2016





O  embuste  global



Um nariz aquilino é tão bom como um nariz arrebitado para atingir os orgasmos tântricos. Desde que a pessoa não esteja muito constipada, qualquer nariz serve. Mas as manhas do Dianho são muitas e muito manhosas. E as pessoas andam convencidas de que, se não tiverem um nariz XPTO, vá-se lá saber o que isso seja!, não arranjam namorado e isto, em grande medida, é mesmo assim. Mais vale não ter namorado do que andar a aparar o nariz e a dar dinheiro a médicos gangsters. Como se dizia antigamente: que vão roubar prà estrada.




Adília Lopes