24 novembro 2015







fábula  mariana





se tivesses inventado o nosso alfabeto, nele haveria muito menos letras,
mas decerto mais vogais. não sei se o sabes mas eu sim, sei-o com certeza,
porque a voz das tuas imagens comporta esses gritos, guturais mas puros,
completos e roucos ao mesmo tempo, que brotam da garganta de quem
tem uma voz, que são muitos mais que os sons das nossas cinco vogais,
e desde logo tornam a maior parte das consoantes desnecessárias.

observo o traço no desenho destas imagens e esse alfabeto, o teu,
torna-se-me evidente. habituei-me a reconhecê-lo quase de imediato
e hoje, alguns anos passados desde o meu primeiro olhar, talvez o pudesse
recitar quase de cor, sem receio de cometer alguns erros gramaticais, mesmo
sabendo dessas regras secretas apenas conhecidas de quem as inventou.

é claro que quando se inventa uma linguagem assim, logo se esquecem
os dicionários, e talvez seja por isso que nem todos te conseguem ler.
muitos não se apercebem da quantidade de coisas apenas vagamente sugeridas,
das frases implícitas na escolha de uma simples cor, dos inúmeros parágrafos
inscritos numa só das tuas palavras tornada linha ou traço ou ponto ou nada.

nem todos te reconhecem: há coisas assim, gratuitas mas que não são para todos.
os que conseguem decifrar esse texto feito desenho, alguns poucos privilegiados,
esses são os cúmplices da ironia tão escondida numa gravura aparentemente feliz,
são os que se identificam com o humor desarmante por trás das imagens mais tristes,
esses dão por si a ler todo o alfabeto e, por fim, lêem-se nele. e são menos miseráveis.






4 comentários:

  1. Mas alguém pode ser miserável, mesmo a Mariana, tendo o privilégio de ter pessoas que lhe fazem mimos destes?
    Diria que teria inveja se não tivesse já recebido uma dose, duas a bem dizer... E olhe que há cada coincidência: cerca de três horas antes desta publicação andara a remexer em escritos e na caixinha de pesquisa ali de cima porque no domingo algo de muito meu, e que na altura foi falado por aqui, fará um ano. Algo poderá nascer numa praia... ;)
    Voltando à fábula, dá-me a sensação que lhe saiu de um rasgo escorreito, de alma cheia. Muito bom!

    ResponderEliminar
  2. roubando as palavras à alexandra g., sois uns ranhosos, tu e a Mariana. ela que tão bem desenha estados de alma e, por sua vez, tu que tão bem a descreves.

    maravilhosos :)

    ResponderEliminar

cartografe aqui: