30 novembro 2014







Entre o sono e sonho,
Entre mim e o que em mim
É o quem eu me suponho
Corre um rio sem fim.

Passou por outras margens,
Diversas mais além,
Naquelas várias viagens
Que todo o rio tem.

Chegou onde hoje habito
A casa que hoje sou.
Passa, se eu me medito;
Se desperto, passou.

E quem me sinto e morre
No que me liga a mim
Dorme onde o rio corre —
Esse rio sem fim.






Fernando Pessoa







[os que gostam de efemérides, assinalarão que faz hoje setenta e nove anos que nos deixou. mas é mentira: 
ainda hoje passei à porta de sua casa, na rua coelho da rocha em campo de ourique, e vi-o nitidamente, a espreitar por uma janela]






… e um pouco mais de céu na terra … 


[sentimental sarabande, benjamin britten]






29 novembro 2014

28 novembro 2014






melody gardot ainda hoje tem problemas de mobilidade, fruto do acidente que sofreu, em que partiu os ossos da bacia - mas que foi o impulsionador da sua carreira: semanas deitada numa cama, sem nada que fazer, pegou numa guitarra e começou a escrever canções como esta. eu cá fazia colares com as constelações (se as estrelas fossem minhas).


If the stars were mine I'd give them all to you
I'd pluck them down right from the sky and leave it only blue
I would never let the sun forget to shine upon your face
so when others would have rain clouds you'd have only sunny days
If the stars were mine I'd tell you what I'd do
I'd put the stars right in a jar and give 'em all to you

If the birds were mine I'd tell them when to sing
I'd make them sing a sonnet when your telephone would ring
I would put them there inside the square, whenever you went out
so there'd always be sweet music whenever you would walk about
If the birds were mine I'd tell you what I'd do
I'd teach the birds such lovely words and make 'em sing for you

If the world was mine I'd paint it gold and green
I'd make the oceans orange for a brilliant color scheme
I would color all the mountains, make the sky forever blue
So the world would be a painting and I'd live inside with you
If the world was mine I'd tell you what I'd do
I'd wrap the world in ribbons and then give it all to you
I'd teach the birds such lovely words and make 'em sing for you
I'd put those stars right in a jar and... give them all... to you...













fulton street dock, n.y.
berenice abbott





27 novembro 2014






A trégua




Havia uma desarrumação no cabelo, se tinha
Calções eles caíam; puxava-os para cima, não
Me penteava.
Se alguma trégua fiz com a infância foi esta:
Ainda não uso pente, os calções são calças,
mas continuam a cair. Por delicadeza,
Puxo-as para cima.






Gonçalo M. Tavares













her room
andrew wyeth





26 novembro 2014






esta é uma gravação do final dos anos oitenta, e das raras em que o segundo guitarrista é o seu filho dweezil. 
continua a ser uma das melhores maneiras de terminar um concerto após um inicial falso final.















keith richards
anton corbijn





25 novembro 2014





…entretanto, festeja hoje 169 risonhíssimos outonos o meu querido amigo eça de queirós. 

é pena estares longe, josé maria, queria dar-te um abraço e dizer-te que este teu é um país catita, menino, chic a valer.




“Essa é outra! - Gritou Ega atirando os braços ao ar. – É extraordinário! Neste abençoado país todos os políticos têm imenso talento. A oposição confessa sempre que os ministros, que ela cobre de injúrias, têm, à parte os disparates que fazem, um talento de primeira ordem! Por outro lado a maioria admite que a oposição, a quem ela constantemente recrimina pelos disparates que fez, está cheia de robustíssimos talentos! De resto todo o mundo concorda que o país é uma choldra. E resulta portanto este facto supracómico: um país governado com imenso talento, que é de todos na Europa, segundo o consenso unânime, o mais estupidamente governado! Eu proponho isto, a ver: que, como os talentos sempre falham, se experimentem uma vez os imbecis!”



- Eça de Queirós, in "Os Maias"











fábula  das  marés  possíveis





somos a mesma água feita chuva feita rio sem nascente nem foz
e entre as tuas ondas e o meu mar nunca haverá marés possíveis















[ "caos do sodré" ]






24 novembro 2014






john smith hurt nasceu no mississippi em 1892 e aprendeu a tocar guitarra sozinho, sem que ninguém o tivesse ensinado. talvez por essa razão tenha aperfeiçoado um estilo pessoal e único de dedilhado rápido, que veio a ser imitado por muita gente. gravou alguns singles em 1928 mas os discos não tiveram sucesso e ele voltou a ser um simples trabalhador rural, que ganhava algum dinheiro suplementar a tocar em festas locais e bares. 
mas foi “redescoberto” em 1962 – e com setenta anos voltou a gravar discos, chegou a tocar em festivais, acabando por se tornar um dos nomes lendários dos azuis.

[e quase cento e cinquenta segundas-feiras depois, devo confessar que o de hoje seria o eleito se tivesse que escolher o azul mais representativo para este exercício semanal]


I woke up this morning, I woke up this morning

Woke up this morning, with the monday morning blues.



I couldn't hardly find, I couldn't hardly find

I couldn't hardly find, my monday morning shoes.



Monday morning blues, monday morning blues

Monday morning blues, searched all through my bones.



Monday morning blues, monday morning blues

Monday morning blues, made me leave my home.



I've been laying in jail, I've been laying in jail

I've been laying in jail, six long weeks today.



Lord, tomorrow morning, Lord, tomorrow morning

Lord, tomorrow morning, gonna be my trial day.



I asked the judge, Lord I asked the judge

Well I asked the judge, what might be my crime.



Get a pick and shovel, get a pick and shovel

Get a pick and shovel, let's go down in the mine.



That's the only time, that's the only time

That's the only time, I ever felt like cryin'.


Mister, change a dollar, please change a dollar
Won’t you change a dollar, give me a lucky dime.



I woke up this morning, I woke up this morning

Woke up this morning, with the monday morning blues.











hotel de l'etoile: night skies
joseph cornell





22 novembro 2014







I heard of a man
who says words so beautifully 

that if he only speaks their name 

women give themselves to him.


If I am dumb beside your body
while silence blossoms like tumors on our lips

it is because I hear a man climb the stairs
and clear his throat outside our door.






Leonard Cohen














[montra de lisboa]






21 novembro 2014






bem sei que ainda falta um mês, mas o dia de hoje, de chuva pintada de um cinzento triste, 
fez-me recordar este tema de roger eno - uma boa prova da beleza presente na melancolia.














soldados jogando às cartas
pieter de hooch





20 novembro 2014






Os poemas que escrevo




Os poemas que escrevo
são moinhos
que andam ao contrário
as águas que moem
os moinhos
que andam ao contrário
são as águas passadas







Adília Lopes













wave study
jamie german





19 novembro 2014







duo musical formado por henry binns e sam hardaker, e sempre com alguns convidados, os zero7 têm conseguido ser sempre inovadores naquela fronteira difícil entre a pop e o jazz. hoje ouvi na rádio esta canção já antiga, e ocorreu-me que foi daquelas que soube envelhecer com estilo. e depois recordei esta versão ao vivo.



Lost in cheap delirium

Searchin' the neon lights

I move carefully

Sink in the city aquarium

Sing in the key of night

As they're watching me

Take me somewhere, we can be alone

Make me somewhere, I can call a home

'Cause lately I've been losin' on my own

Wrapped in silent elegance

Beautifully broken down

As illusions burst

Too late to learn from experience

Too late to wonder how

To finish first

Take me somewhere, we can be alone

Make me somewhere, I can call a home

'Cause lately I've been losin' on my own

Take me somewhere, we can be alone

Make me somewhere, I can call a home

Won't you take me home?

Won't you take me home?

'Cause lately I've been losin' on my own

Won't you take me home?













passatge de font





18 novembro 2014






pequena  fábula  plural *






nunca como hoje me senti gémeo de mim mesmo
sento-me comigo à beira-nós e conto-me histórias
se pudesse sentar-me nos meus joelhos embalava-te
adormecia-me e tu sonhavas os sonhos que sei meus
















jorge luis borges
ferdinando scianna





17 novembro 2014





de j. b. lenoir sabe-se que nasceu no mississippi, iniciou a carreira em new orleans e se mudou para chicago. 
sabe-se também que tocou com muita gente famosa e que morreu de ataque cardíaco aos trinta e oito anos, alegadamente na sequência de um desastre de automóvel sofrido uns dias antes, mas não se sabe o que estaria 
na ideia dos seus pais quando o baptizaram mesmo com esse nome, j. b. – um dos raros casos em que foram aceites 
iniciais como nome próprio.



Get me one more shot bartender, just before I go
Well, get me one more shot bartender, just before I go
I have had my fun and I don't feel well no more

Well, get me one more shot, get me one more shot
Get me one more shot, get me one more shot
Well, get me one more shot and I'll knock my own self out

Well, if I'm going down let me go down playing my part
If I'm going down let me go down playing my part
If I have me one more shot I will knock my own self out

Hey bartender, where have you been?
I need a shot of whiskey and I need a shot of gin
Just get me one more shot and I'll knock my own self out













[rua do alecrim]






16 novembro 2014






Será talvez a culpa





Será talvez culpa do amor.
Digo, do excesso de remorso.
Digo, das vezes que os teus lábios não tocaram os meus.
Digo, do café que arrefece na chávena
e da chuva precipitando-se contra os vidros,
da poesia abandonada.








Carla Pinto Coelho












ocean park n. 49
richard diebenkorn