22 agosto 2014






Parábola das mãos




Esta mão pega num fruto,
A outra afasta-o.
Uma mão recebe o falcão, tira uma luva,
A outra afugenta-o, pega numa tocha.
Uma mão escreve cartas de amor
Que a sua equívoca siamesa enche de injúrias.
Uma mão bendiz, a outra ameaça.
Uma desenha um cavalo,
A outra, um puma que o assusta.
Pinta um lago a mão direita:
Afoga-o num rio de tinta, a esquerda.
Uma mão desenha a palavra pássaro,
A outra escreve a sua jaula.
Há uma mão de luz que constrói escadas,
Uma sombra que solta degraus.
Mas chega a noite. Chega
Quando cansadas de se agredir
Fazem trégua na sua guerra
Porque procuram o teu corpo.







Juan Manuel Roca





8 comentários:

  1. A reconciliação das mãos que só o corpo desejado consegue.
    Belíssimo! Obrigada pela partilha!

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  2. Mais um poema brilhante de Juan Manuel Roca.
    Talvez preferisse ter agarrado apenas a parte mais leve, doce e bonita. Não fui capaz. Para mim é muito óbvia a analogia com a capacidade de o ser humano, mesmo a uma nesga de distância temporal, intercalar a prática do bem com os feitos mais escabrosos. Muitas vezes sem uma "explicação satisfatória".
    Assim como gosto de ver nesta parede os quadros com formas, palavras e sons divertidos, aprecio as telas que me fazem pensar bastante nas coisas que estão para além dos gestos quotidianos.
    E hoje este exercício ajudou-me a ficar melhor;)
    Bom fim-de-semana, José Luís!

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  3. Tão lindo! Ao ler, pensava estar perante mais uma das suas parábolas. É que parece sua, de tão boa.
    Abraço.

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    Respostas
    1. tão lindo não podia ser meu ( e as minhas são meras fábulas, não parábolas deste calibre ;) )

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    2. Pois é, são fábulas, tem razão. Mas mantenho o que disse, é tão boa que parecia sua. :-)

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