31 março 2014


[…palavra que não recordo quando é que a mariana me pintou o retrato...]











sad, fat and ugly
mariana a miserável










[…e também não me lembro de ter dito ao dinis para me fotografar por escrito…]








Os naufrágios do amor exigem
medidas drásticas e extraordinárias.

Depois de dezenas de requerimentos,
o mesmo número de insistências,
muita perseverança e algumas rezas,
eis que finalmente surgiu uma vaga.
Foi ontem à tarde.
Durante um bom par de horas
estive à conversa com Santo António
– A ver se me arranja uma moçoila,
uma moçoila carinhosa, bonita, fiel.

A agenda a transbordar,
imensos pedidos, permanentes quefazeres.
– Por tais e quejandos motivos, vi-me forçado
a acrescentar mais três dias ao mês de Fevereiro:
até ao dia 31 não terei mãos a medir.
Ainda pensei que esse assunto das redes sociais
contribuísse para aliviar-me a carga – mas qual quê?
A faina duplicou, triplicando-me destarte as preocupações.

Depois em gestos medidos,
numa expressividade parenética:
logo que sobeje tempo
prometo tratar disso.
Como estava a dizer-lhe,
há depois aqueles peixes mais ariscos.

Eu bem fui insistindo na rogatória,
falei na cor dos olhos, que os queria
castanhos, como os da minha mãe.
Gostaria dela com cabelo comprido,
pele branca, sorriso de flor de cerejeira,
pernas de Vénus de Botticelli,
mas o canonizado tagarela passou o resto
da tarde a discorrer caudalosamente sobre
peixes, anzóis e canas de pesca
– e eu a ver navios.

  








Dinis Moura















mais um azul de big bill broonzy, aqui na célebre cover unplugged do senhor clapton 
(ainda a festejar o aniversário)



Hey hey, hey hey, baby, hey.
Hey hey, hey hey, baby, hey.
I love you baby,
Sure aint gonna be your dog.

Hey hey, hey hey, baby, hey.
Hey hey, hey hey, baby, hey.
My arms around you baby,
All I can say is hey.

Hey hey, hey hey, baby, hey.
Hey hey, hey hey, baby, hey.
I love you baby,
Sure aint gonna be your dog.

Hey hey, you lost your good thing now.
Hey hey, you lost your good thing now.
You had me fooled,
I found it out somehow.








30 março 2014









entretanto, o senhor clapton festeja hoje 
sessenta e nove risonhas translações solares.
parabéns eric patrick, que contes muitas.


eric clapton (at home, 1969)
by barrie wentzell





















shelfie #6

















d e s c u b r a
a s
s e t e
d i f e r e n ç a s :







entre a doce jane




a) do lou do subterrâneo de veludo




e da



b) da margo de veludo subterrâneo


Standing on the corner,
Suitcase in my hand
Jack is in his corset, and Jane is her vest,
And me I'm in a rock'n'roll band!
Ridin' in a Stutz Bear Cat, Jim
You know, those were different times!
Oh, all the poets they studied rules of verse
And those ladies, they rolled their eyes

Sweet Jane! Sweet Jane!

I'll tell you something
Jack, he is a banker
And Jane, she is a clerk
Both of them save their monies,
And when, when they come home from work
Oh, Sittin' down by the fire,
The radio does play
The classical music there, Jim
"The March of the Wooden Soldiers"
All you protest kids
You can hear Jack say

Sweet Jane! Sweet Jane!

Some people, they like to go out dancing
And other peoples, they have to work,
And there's even some evil mothers
Well they're gonna tell you that everything is just dirt
Y'know that, women, never really faint
And that villains always blink their eyes
And that, y'know, children are the only ones who blush!
And that life is just to die!
And everyone who ever had a heart
They wouldn't turn around and break it
And anyone who ever played a part
Oh wouldn't turn around and hate it!

Sweet Jane! Sweet Jane!










29 março 2014









Cidade dos desaparecidos







Muitas vezes não amei Lisboa,
não soube amá-la ao anoitecer
dos dias úteis, quando era gasta,
parada e suja, e nos autocarros
quase vazios viajava de luz acesa
a entranhada tristeza do mundo
que foi a minha primeira e mais
precoce intuição. Grande cidade
dos desaparecidos, eu não tive
tantas vezes a saúde de gostar
dos teus pequenos jardins
abandonados. Quando nos cafés
já iam desligando as máquinas
e do outro lado da linha ninguém
voltava jamais a responder
como eu queria, quantas vezes
não pude achar o sítio e o sossego
para esquecer e dormir? Mesmo assim,
eu não te fiz justiça, Lisboa, quando
me deixei ir de ti: eu não era exemplo,
eu sempre estranhei um pouco a cama
da vida.











Rui Pires Cabral























[um desejo chamado eléctrico]












28 março 2014








Aforismo Quinto






Quem anda há tanto tempo no meu coração devia pagar renda
Ou então pedir-me a chave










João Pedro Silveira















uma das grandes canções de kurt wagner, escondida no album "aw c'mon", 
outro daqueles nocturnos mais-que-perfeitos...




wearing a halo of mist
glowing pink and purple
in the afternoon light
sprawling from a hub
they gave way to patches of green

the wine colored country
unfolded as we tumbled into our rooms
and our travel kinks floated away
as we stroked the sunrise
and stained the lake a hazy pink

and the jade tree green rivers
and the apple trees
'n' the thoughts of wearing
our sun screen and evergreens
are layered like feathers at your feet

nothing but a blur from a bullet train
a picturesque, old teahouse with a carp pond
as we trundled out of the tunnel
as we trundled out of the tunnel










[ para a a.r., a mais recente convertida às costeletas de cordeiro ]

27 março 2014













calçelfie #1

[ auto-retrato de uma espécie em vias de extinção ]


















Ágata







Foi amor à primeira vista.
Ela tinha nome de pedra preciosa
e, na literalidade dos meus cinco anos,
cabelo em forma de pássaro – negro
asa de corvo.

Era o tempo em que ainda
aprendia  com o corpo todo:
uma fractura exposta para entender
o significado de maioria, uma pneumonia
para descobrir a solidão.
Quando ela me cravou um lápis
sob o olho esquerdo, pressenti que a escrita,
grafite fria à flor do sangue.
Deixaria marcas para sempre.

Nunca mais nos separámos.
Eu e as palavras,
a Ágata mudou de escola.











Inês Dias























shelfie #5










26 março 2014








Sozinho com as palavras
apascento
a emancipada figura do destino.

A meus pés
estende o sol a sombra
traçada a viril negro
melancólico.

Voltado para a parede
teço
o pequeno milagre
do poema.










José Carlos Soares





















ray charles
norman seeff










25 março 2014









fábula  de  ofélia  e  fernando






ofélia ofegante ofuscava ofertando
um final afinal aferido por fernando:
ofélia sábia, ofélia sabia
beber pérolas mortas em vinagre egípcio não podia
mas seria fácil ingerir, qual julieta, um veneno idóneo


ofélia sente que embarca carente na barca de caronte
agora, rasgadas as promessas sem que a escrita conte
e sem que o amor acabe,
ofélia sábia, ofélia sabe:
cartas de amor ridículas… só as tuas, fernando antónio











[ para a ana deus, que gosta de jogos de palavras ]