30 abril 2012






"Don't play what's there, play what's not there."

"Don't fear mistakes: there are none."

"For me, music and life are all about style."

"Without music, life would be a mistake..."



- Miles Davis































decidiu a unesco passar a consagrar (pela primeira vez) o dia de hoje como dia internacional do jazz...
calhou numa segunda-feira, que é de outras cores, pelo que vos deixo um pequeno nocturno -
num dia que apesar de solarengo também se tornou azul...













faz precisamente hoje vinte e nove anos que dizem ter morrido o senhor mckinley morganfield. 
acho que este é mais um daqueles casos em que a notícia da morte de alguém se revelou prematura: 
muddy waters é necessariamente imortal...




Well I'm goin' away to leave 
Won't be back no more 
Goin' back down south, child 
Don't you want to go? 
Woman I'm troubled, 
I be all worried in mind 
Well baby I just can't be satisfied 
And I just can't keep from cryin'

Well I feel like snapping' 
Pistol in your face 
I'm gonna let some graveyard 
Lord be your resting place 
Woman I'm troubled, 
I be all worried in mind 
Well baby I can never be satisfied 
And I just can't keep from cryin'

Well now all in my sleep 
Hear my doorbell ring 
Looking for my baby 
I couldn't see not a doggone thing 
Woman I was troubled, 
I was all worried in mind 
Well honey I could never be satisfied 
And I just couldn't keep from cryin'

Well I know my little old baby 
She gonna jump and shout 
That old train be late man, Lord 
And I come walking out I be troubled, 
I be all worried in mind 
Well honey ain't no way in the world could we be satisfied 
And I just can't keep from cryin'








Pedro, lembrando Inês 



Em quem pensar, agora, senão em ti? Tu, que 
me esvaziaste de coisas incertas, e trouxeste a 
manhã da minha noite. É verdade que te podia 
dizer: "Como é mais fácil deixar que as coisas 
não mudem, sermos o que sempre fomos, mudarmos 
apenas dentro de nós próprios?" Mas ensinaste-me 
a sermos dois; e a ser contigo aquilo que sou, 
até sermos um apenas no amor que nos une, 
contra a solidão que nos divide. Mas é isto o amor: 
ver-te mesmo quando te não vejo, ouvir a tua 
voz que abre as fontes de todos os rios, mesmo 
esse que mal corria quando por ele passámos, 
subindo a margem em que descobri o sentido 
de irmos contra o tempo, para ganhar o tempo 
que o tempo nos rouba. Como gosto, meu amor, 
de chegar antes de ti para te ver chegar: com 
a surpresa dos teus cabelos, e o teu rosto de água 
fresca que eu bebo, com esta sede que não passa. Tu: 
a primavera luminosa da minha expectativa, 
a mais certa certeza de que gosto de ti, como 
gostas de mim, até ao fim do mundo que me deste.





Nuno Júdice











rua das flores






29 abril 2012










nesta canção, que kurt wagner admitiu ser um exercício de composição, a ideia inicial era escrever algo em torno de uma única palavra... no fim - como acontece muitas vezes na música - o todo é francamente maior que a soma das partes.





Stand about Stand aloof Stand aside Stand apart 
Stand back Stand away Stand by 
Stand over Stand to Stand against Stand before 
Stand with Stand alone Stand in 
Stand it out Stand it out 
Stand up Stand through Stand down Stand around 
Stand ready Stand inside Stand me 
Stand them Stand hurt Stand strong Stand along 
Stand reckless Stand rowdy Stand true 
Stand it out Stand it out 
Stand down Stand down your shoulder to the sea 
Stand down Stand down your shelter from the rain 
Stand down Stand down Stand beside your enemy 
Stand over me Stand over me 














Depois de ti




Depois de ti
o dilúvio: esgotaram-se as imagens
e não posso mudar o que diziam:

há um esvaziamento, uma degradação,
que em pouco tempo tornam
o real absoluto no real possível:

e nunca mais hei-de sentir o mundo
tão alto como os versos e não o contrário,
e nunca mais poderei dizer a ninguém:

os teus olhos são tão belos como os teus olhos





Pedro Mexia





28 abril 2012







jardim da estrela









d e s c u b r a
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nem sei se chegam a ser sete as diferenças entre mia&vincent e susana&rui, só sei que este twist (a par do tango talvez a única dança de que me sinto esteticamente dependente) é inesquecível. a canção da minha vida é obviamente "you never can tell", uma pérola de chuck berry, um dos pais do rock&roll.





27 abril 2012





sei que nunca viste o oceano,
que nunca olhaste a onda sobre a onda,
que nunca fizeste castelos para o mar ser forte,


mas sei que já viste o coração das coisas,
que já tocaste a ferida nos nossos braços,
que já escreveste para sempre o nome da terra.


por isso te digo que vou levar-te o mar
na concha das minhas mãos, azulíssimo,
para que nele descubras o meu nome
entre os seixos os búzios os rostos que já tive.





Vasco Gato





[ lê-se e vê-se muito melhor aqui ]

26 abril 2012






fábulas de lisboa




xvii. alcântara. mar.




( lê-se melhor aqui )















d e s c u b r a
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retrato de lisa gherardini (II)...








 por marcel duchamp, séc. XX





por artista desconhecido, séc. XXI











[ sempre a reinventar "readymades", duchamp entitulou o seu retrato de lisa como "L.H.O.O.Q.", que lido depressa em francês soa bastante a "Elle a chaud au cul", uma alusão sexual à menina gherardini.
se tivesse vivido alguns anos mais, talvez viesse a ser ele o artista da versão lego, cujo sorriso é de longe mais enigmático que o original ]









Quando estou só reconheço
Se por momentos me esqueço
Que existo entre outros que são
Como eu sós, salvo que estão
Alheados desde o começo.

  
E se sinto quanto estou
Verdadeiramente só,
Sinto-me livre mas triste.
Vou livre para onde vou,
Mas onde vou nada existe.


Creio contudo que a vida
Devidamente entendida
É toda assim, toda assim.
Por isso passo por mim
Como por coisa esquecida.






Fernando Pessoa










esta canção sem palavras (lembro-me sempre delas cantadas por louis armstrong) é ao mesmo tempo um dos maiores solos de trompete alguma vez gravados e um nocturno mais-que-perfeito para ouvir quando o silêncio deixou de ser uma companhia







25 abril 2012




"I have always been of the opinion that consistency is the last refuge of the unimaginative." 



Oscar Wilde










janelas de lisboa












d e s c u b r a
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d i f e r e n ç a s :









Portugal





 
Ó Portugal, se fosses só três sílabas,
linda vista para o mar,
Minho verde, Algarve de cal,
jerico rapando o espinhaço da terra,
surdo e miudinho,
moinho a braços com um vento
testarudo, mas embolado e, afinal, amigo,
se fosses só o sal, o sol, o sul,
o ladino pardal,
o manso boi coloquial,
a rechinante sardinha,
a desancada varina,
o plumitivo ladrilhado de lindos adjectivos,
a muda queixa amendoada
duns olhos pestanítidos,
se fosses só a cegarrega do estio, dos estilos,
o ferrugento cão asmático das praias,
o grilo engaiolado, a grila no lábio,
o calendário na parede, o emblema na lapela,
ó Portugal, se fosses só três sílabas
de plástico, que era mais barato!
 
 
Doceiras de Amarante, barristas de Barcelos,
rendeiras de Viana, toureiros da Golegã,
não há "papo-de-anjo" que seja o meu derriço,
galo que cante a cores na minha prateleira,
alvura arrendada para ó meu devaneio,
bandarilha que possa enfeitar-me o cachaço.
 

Portugal: questão que eu tenho comigo mesmo,
golpe até ao osso, fome sem entretém,
perdigueiro marrado e sem narizes, sem perdizes,
rocim engraxado,
feira cabisbaixa,
meu remorso,
meu remorso de todos nós...
 
 



 Alexandre O’Neill






___________







Portugal






Portugal
Eu tenho vinte e dois anos e tu às vezes fazes-me sentir como se tivesse oitocentos
Que culpa tive eu que D. Sebastião fosse combater os infiéis ao norte de África
só porque não podia combater a doença que lhe atacava os órgãos genitais
e nunca mais voltasse
Quase chego a pensar que é tudo mentira, que o Infante D. Henrique foi uma invenção do Walt Disney
e o Nuno Álvares Pereira uma reles imitação do Príncipe Valente
Portugal
Não imaginas o tesão que sinto quando ouço o hino nacional
(que os meus egrégios avós me perdoem)
Ontem estive a jogar póker com o velho do Restelo
Anda na consulta externa do Júlio de Matos
Deram-lhe uns electro-choques e está a recuperar
àparte o facto de agora me tentar convencer que nos
espera um futuro de rosas
Portugal
Um dia fechei-me no Mosteiro dos Jerónimos a ver se contraía a febre do Império
mas a única coisa que consegui apanhar foi um resfriado
Virei a Torre do Tombo do avesso sem lograr encontrar uma pétala que fosse
das rosas que Gil Eanes trouxe do Bojador
Portugal
Se tivesse dinheiro comprava um Império e dava-to
Juro que era capaz de fazer isso só para te ver sorrir
Portugal
Vou contar-te uma coisa que nunca contei a ninguém
Sabes
Estou loucamente apaixonado por ti
Pergunto a mim mesmo
Como me pude apaixonar por um velho decrépito e idiota como tu
mas que tem o coração doce ainda mais doce que os pastéis de Tentugal
e o corpo cheio de pontos negros para poder espremer à minha vontade
Portugal estás a ouvir-me?
Eu nasci em mil novecentos e cinquenta e sete, Salazar estava no poder, nada de ressentimentos
o meu irmão esteve na guerra, tenho amigos que emigraram, nada de ressentimentos
um dia bebi vinagre, nada de ressentimentos
Portugal depois de ter salvo inúmeras vezes os Lusíadas a nado na piscina municipal de Braga
ia agora propôr-te um projecto eminentemente nacional
Que fossemos todos a Ceuta à procura do olho que Camões lá deixou
Portugal
Sabes de que cor são os meus olhos?
São castanhos como os da minha mãe
Portugal
gostava de te beijar muito apaixonadamente
na boca






Jorge Sousa Braga
















o engenheiro álvaro de campos lamentava-se por pertencer a um género de portugueses que, depois da índia descoberta, ficaram sem trabalho. eu pergunto-me por vezes o que é isso de ser português, se é avistar ao longe um mar que sabemos estar dentro de nós?


 
Porto calmo de abrigo 
De um futuro maior 
Ainda não está perdido 
No presente temor 
Não faz muito sentido 
Não esperar o melhor 
Vem da névoa saindo 
A promessa anterior
Quando avistei ao longe o mar 
Ali fiquei parado a olhar 
Sim, eu canto a vontade 
Canto o teu despertar 
E abraçando a saudade 
Canto o tempo a passar 
Quando avistei ao longe o mar 
Ali fiquei parado a olhar 
Quando avistei ao longe o mar 
Sem querer deixei-me ali ficar











jardins gulbenkian





24 abril 2012






esta rapariga festeja hoje setenta e oito anos



olha miúda, estás na mesma... 
e para mim serás sempre a fran kubelik da cena final de "the apartment", a sorrir subindo as escadas a correr, a fazer de conta que não ouve a declaração de amor de baxter, e a responder "shut up and deal"


 












As coisas




São feitas de vidro.
Partem-se quando digo em voz alta
o teu nome. Nome de todas as coisas.





Inês Fonseca Santos













um desejo chamado eléctrico






23 abril 2012





Do culto dos livros




No oitavo livro da Odisseia lê-se que os deuses tramam desgraças para que às futuras gerações não lhes falte algo que cantar; a declaração de Mallarmé: “O mundo existe para chegar a um livro”, parece repetir, uns trinta séculos depois, o mesmo conceito de uma justificação estética dos males. As duas teleologias, no entanto, não coincidem integralmente; a do grego corresponde à época da palavra oral, e a do francês, a uma época da palavra escrita. Numa fala-se de contar e na outra de livros. Um livro, qualquer livro, para nós é um objecto sagrado: já Cervantes, que talvez não ouvisse tudo o que dizia a gente, lia até “os papéis rasgados das ruas”. O fogo, numa das comédias de Bernard Shaw, ameaça a Biblioteca de Alexandria; alguém exclama que irá arder a memória da humanidade, e César diz-lhe: “Deixa-a arder. É uma memória de infâmias”. O César histórico, na minha opinião, aprovaria ou condenaria a sentença que o autor lhe atribui, mas não a julgaria, como nós, uma piada sacrílega. A razão é clara: para os antigos a palavra escrita não era outra coisa senão um sucedâneo da palavra oral.





Jorge Luis Borges  in  “Outras inquirições” (1952)









mais um grande azul sem palavras (não contabilizando as que sabemos lá estarem)
numa noite parisiense em que o senhor jarrett se sentou melancólico a tocar piano...


 














d e s c u b r a
a s
s e t e
d i f e r e n ç a s :









retrato de lisa gherardini (I)...





 por leonardo di ser piero, séc. XVI


por artista desconhecido, séc.XXI








[ não se sabe muito bem quando teria leonardo pintado este retrato, atribuído a madonna lisa gherardini, esposa de francesco del giocondo, nem os motivos. 
sabe-se apenas que madonna, por contracção, originou mona - e que esta é talvez a pintura mais icónica de todos os tempos ]